domingo, 18 de dezembro de 2011

UM NATAL DIFERENTE

Dezembro; quase nas vésperas do Natal. Tantas lembranças vem a tona, de outros anos, de antigas comemorações... ihhh! Vão pensar vocês, mais um texto batido sobre sentimentos, consumismo, saudosismo... Calma, continuem a ler. Quem sabe eu não surpreendo um pouco?


Quase dezoito anos se passaram. Eu morava no Japão, com meu marido. Havia oito meses que vivíamos no país do sol nascente, e a adaptação não era das mais fáceis. Eu, particularmente, batia de frente com muitos costumes, e morria de saudades do meu país. Como estava em processo de aprendizagem da língua japonesa, não havia muito tempo para me entristecer com saudades, pois o esforço era imenso para poder falar logo. Assim se passaram os oito meses, mas agora, até para mim e meu esposo, era época de férias.

Para os japoneses, o que importa é a chegada do Ano Novo. Eles dão importância para qual animal do horóscopo chinês irá reger o ano que se iniciará. Trocam cartões de ano novo (nengajyo) entre todos os conhecidos. Preparam arranjos de ikebana específicos para esta época do ano, com galhos de pinheiro, crisântemos e um arbusto de pequenos frutos vermelhos. Preparam comida para três dias, pois irão receber visitas de amigos, irão visitar outras casas e peregrinarão por vários templos, xintoístas e budistas, para pedirem bênçãos para o Ano Novo. Na virada do Ano, os templos budistas tocam seus sinos 365 vezes, para abençoar o ano vindouro. Costumes diferentes dos nossos, mas não tão distantes de nossas confraternizações.

Porém no Japão não se comemora o Natal. Lá a data não tem um significado como para os cristãos; torna-se data de troca de presentes, costume herdado da época em que os americanos os subjugaram. É uma boa data para o comércio, mas nada diz aos japoneses.

E lá estava eu, sozinha com meu marido, em plena noite de Natal, no meu kitchinete, lembrando de outros natais. Estávamos um pouco tristes, com a distância da família, e não havia com quem comemorar, pois nos encontrávamos numa cidade que vivia para outra religião. Preparavamo-nos para jantar, quando tocou o interfone.

Meu marido atendeu, e o pessoal da recepção do alojamento informou que seu amigo Nakata estava subindo. Nakata era amigo do tempo que meu esposo fizera seminário no Japão. Ele tinha uma feição muito pálida, era muito, muito feio, e o raciocínio não o ajudava muito. Era preterido pelos japoneses, e encontrara nos brasileiros seminaristas os amigos que não conseguira fazer entre os seus. Ele não se esquecia disto, e quando soube que meu marido havia retornado ao Japão, vinha nos visitar sempre que podia.

Meu marido abriu a porta para Nakata. Ele trazia várias sacolas nas mãos e corremos a ajudá-lo, sem entendermos nada. Ele entrou se desculpando pelo mau jeito, e foi logo explicando: “Onishi san, hoje lembrei que sua esposa é ocidental, e deveria estar com saudades do Brasil, porque é Natal. Sei que na Tenrikio não comemoramos, mas eu passei na frente do açougue, e eles estavam assando isto, e eu trouxe para fazermos uma comemoração.”

Dito isto, abriu a sacola maior, e foi tirando três pacotes de dentro. Qual não foi minha surpresa quando me deparei com três frangos assados, douradinhos, embalados? Nota de esclarecimento: no Japão qualquer carne é muito cara, e tudo é vendido em pedaços, em pequenas bandejas nos mercados. Crianças japonesas não tem a mínima idéia de qual seja a anatomia completa de um frango morto. Daí o meu espanto, de ver três –três! – frangos assados inteiros na minha frente!

De outra sacola tirou uma garrafa de champagne, e de outra tirou um presente. Disse que havia ido ao “pachinko” (algo como nossos bingos, cheio de caça-níqueis), e havia ganho aquele presente, que era de senhora, então havia se lembrando de mim, se meu marido não se importasse, pois ele não tinha namorada para oferecer. Abri a caixa e havia um belo porta-jóias. Agradeci, feliz, olhando para meu marido, que não entendia nada.

E então fomos aos frangos. Pusemos a mesa, fiz um arroz, lavei salada, e resolvemos cortar o assado. Nossa boca salivava, com aquela visão dourada a nossa frente. Garfo espetado, a faca correu pelo peito do frango e... estava crú por dentro!! Nakata nos olhou com cara de “ai meu deus”, e eu fui rápida: “não tem problema, colocamos no forninho.”

Outra nota: no Japão a maioria das casa não tem fogão como os nossos. Eles não sabem fazer bolos, pouco fazem assados. Usam ao invés disso, pequenos fornos elétricos, e pequenos fogões parecidos com os de camping. Então, foi necessário o improviso. Despedaçamos o frango, e fomos colocando no forninho, para terminar de assar. Abrimos o champagne, e comemoramos a nossa amizade, e a lembrança de Nakata.

Havia muito frango, e resolvemos, com a anuência de Nakata, compartilhar com os amigos que ficavam de plantão na recepção. Foi outra festa inesperada. Foram buscar a cerveja, e todos comemoramos, de maneira bem peculiar, um Natal no Japão.

E Nakata, nosso amigo feioso, branco como cera, de raciocínio fraco e coração enorme, transformou-se no nosso anjo sem asas naquele dia, e para sempre belo aos nossos olhos. Milagres de Natal...

sábado, 17 de dezembro de 2011

CAMINHOS DE MULHER

Vejo, todo dia, mulheres a caminho.


Caminhos de ida, caminhos de volta.

Mais jovens, mais velhas,

Atemporais.

Faço, às vezes, parte do caminho delas.

Presencio, apoio, me emociono.

A vida é bela em nossas procuras.

Digo nossas porque me reconheço

Na história de cada uma delas.

Fragmentos, na verdade,

De sentimentos, ressentimentos,

Motivações – ou a falta delas.

Precisam, muitas vezes,

De quem as ouça.

As vezes, de uma direção;

Outras, cumplicidade

Ou complacência.

Outras, ainda, orientação.

Mas do que estou falando?



Era uma vez uma mulher que perdera a direção. Não sabia dizer quem ela era, apesar de enumerar corretamente tudo o que havia feito na vida. Casara com o primeiro namorado; tivera filhos e os perdera; tivera uma carreira que amava, e se aposentara.

Os anos passaram, e a alegria de viver ficara em alguma esquina dos caminhos que percorrera. O marido não era mais seu companheiro, diálogos eram preenchidos por silêncio, no medo de não desagradar. Ela tentava agradar a todos, ser boazinha, como a mãe ensinara de pequena, mas esquecia-se de agradar a si própria. Ainda havia vida pela frente, mas a angústia a invadia ao pensar o que gostaria de fazer nos próximos anos, pois não sabia a resposta!

Caíra numa tristeza sem fim. Médicos não conseguiam detectar o problema, não havia um rótulo que lhe coubesse. Não havia antidepressivo que lhe resolvesse. Havia um corpo magoado, dolorido, chorando alto, sentindo a solidão dela nela mesma.

Um dia resolveu buscar outro tipo de ajuda. Tratando-se, conversava. Falando, começou a se escutar, e a se analisar. Um dia acordou com vontade enorme de costurar. A quantos anos, deus meu, que não pegava num tecido, linhas, máquina? Comprou panos, linha, e quis fazer uma blusa. Não tinha moldes, e descosturou uma blusa de que gostava para copiar o feitio. Cortou, costurou, mas não estava satisfeita. Não estava perfeita. Era a manga, não era? Não, não era.

Era o caminho de volta começando a ser feito. Começou a lembrar de sua infância pobre no interior. E das histórias da mãe.

E era uma vez uma mocinha de seus doze, treze anos, que morava numa fazenda. Era a única mulher de um bando de irmãos. Logo cedo já ajudava a mãe com a lida da casa, da cozinha, e não demorou muito, da costura também.

Resolveu então tentar fazer uma camisa para o irmão mais velho, que vivia de chamegos com ela, que era a caçula. Mas como fazer? Resolveu descosturar uma camisa velha. Desenhou cada parte num papel de jornal, cortou o tecido, alinhavou... a mãe só a olhava com o canto de olho, enquanto remendava uma ou outra peça, e sem nada comentar, sorria para si mesma. “menina esperta, esta menina.” Mas gente daquela época não dava muita confiança para criança; nada falou. A mocinha seguia absorta, costurando o tecido xadrez, bonito que só vendo, e, afinal, conseguiu terminar a camisa!

Os outros irmãos também quiseram. Logo ela estava costurando camisas para eles e também para os peões de sua fazenda e também das vizinhanças. Cresceu, casou-se com um dos peões para quem costurara uma camisa; seu pai a pôs para fora de casa, e ela foi viver num rancho simples, mas feliz. Teve os filhos e os perdeu também, e costurou por toda a vida para viver e por prazer.

E os caminhos se encontraram. Quarenta anos depois, a filha descosturando a blusa, refazendo os passos da mãe... Para saber quem era ela, tinha que buscar o seu começo. E o que era antes dela. Quem era ela, e quem a fizera.

Na frente de seus olhos passaram cenas boas, da mãe costurando na máquina de pedal, com o lampião de gás no meio da sala e o rádio ligado; a mãe costurando seu vestido para o casamento de um de seus irmãos. As duas escolhendo a fazenda para seus vestido de noiva.

A máquina nova veio com a luz na casa do rancho; sua mãe e ela, fundidas cada vez que ajustava uma cintura de um vestido, cerzia um tecido...

E o fio de sua vida foi reencontrado, e ela soube dizer quem ela era. Desta forma vi um caminho de volta sendo feito. Chorei com ela, me emocionei com a busca e com seu resultado.

E acabou-se a história e não morreu a Vitória, como diz meu filho. Entrou por uma porta, saiu pela outra, e quem quiser que conte outra. Por acaso você teria uma para compartilhar?

domingo, 11 de dezembro de 2011

DE CONVENTOS, SONHOS E POESIA

De todas as imagens que me saltam a mente, não sei por que motivo, sempre me tocam as de antigas igrejas e de conventos. Quando leio um poema, um conto ou qualquer texto que me remeta a estas imagens, sinto como se estivesse falando para mim.

Dizem que é coisa de vidas passadas, lembranças de outras existências. Não sei se realmente isto existe, mas o meu imaginário é repleto destas imagens. Muitas vezes, em meus sonhos, passeio por ruínas de conventos, não mais do que pedras amontoadas. De repente, os espíritos das noviças estão no páteo, mocinhas de longas camisolas alvas, todas olhando para mim, se perguntando o que fui fazer ali. Quando me dou conta, o edifício está inteiro, com seu grande portal de entrada, com mais de três metros de altura, uma porta enorme de madeira entalhada, e escadaria enorme para chegar até lá. Como se, ao subir as escadarias e adentrar aquela porta, tivéssemos direito a entrar nos céus de imediato...

Quando olho novamente, há somente ruínas, e os olhos inquisidores das noviças, todas de pé em cima das ruínas, me pedindo auxílio para que o convento se reerga novamente. Faço um esforço, e novamente vejo o edifício de pé. Uma fileira de camisolas alvas então se dirige ao amplo portal, e se esfumaçam lá dentro. Minha missão está cumprida. Por que fui até tal lugar?

Volto a este lugar mesmo quando acordada. Quando vejo antigos edifícios religiosos, relembro de meu sonho. Por que conventos me chamam tanto? Lembro da emoção que sentia quando estudava no colégio as freiras. As orações me tocavam, as músicas enchiam meu peito de alegria. Ninguém de minha casa me ensinara a ser assim. Eu era assim, como que por dizer, de nascença. Ou de renascença?

Nunca sonhei em colocar um hábito, levar uma vida entre quatro paredes, mas sempre admirei quem a tudo renega para servir uma vocação. E havia sempre o mistério do último andar da escola, das freiras na clausura. Seriam brancas como ratos albinos, sem nunca tomar sol? Saberiam ainda falar, ou apenas balbuciariam palavras ininteligíveis, se, algum dia, encontrassem outro ser humano? Estariam habitando algo parecido com o espaço sideral, e voltariam de lá com os ossos fracos, precisando ser carregadas?

Questionamentos de uma menina com muitas idéias na cabeça... as noviças continuam me olhando de pé sobre as ruínas, muito, muito alvas e quietas. Anjos que nunca descansaram. Noivas de alguém que elas esqueceram. Até o momento em que um sino repica, repetidamente, dando a hora exata. Serão as matinas?

Não! Elas começam a formar um círculo e a se dar as mãos. E de repente, começam a bailar graciosamente, como sacerdotisas pagãs, louvando a primavera que chega, entregando seus corpos a natureza, as camisolas etéreas, os pés a mostra, sem tocar o chão... percebo que agora suas faces estão coradas, os olhos brilham, estão vivas. Elas me chamam para dançar.

Eu sorrio e corro para a roda. Em frente ao convento, pisando num gramado orvalhado, danço, junto com meus fantasmas. Me perco nas voltas de nossa ciranda, num ritmo de uma “danza de España”. A paisagem roda, vertiginosamente. A imagem de minhas companheiras vai se esvaindo, o grande portal do convento esmaecendo, e quando eu me jogo, exausta, na relva, percebo que ao meu lado só tenho ruínas, cobertas de mato.

Tantos anos se passaram desde meu sonho. Lembranças de claustros, de sinos ao longe, permeiam minh’alma. E então leio estes versos, compartilhados por um amigo:

"Eu te veria num convento espanhol

Onde se dance: castanholas em homenagem ao Senhor;

Através do parlatório

Apunhalando os aficionados

Com esses olhos retraídos e lascivos."



A delicadeza dos versos me fere as órbitas. Não consigo enxergar, pois as lágrimas tomaram conta dos meus olhos. Como em sinal de reconhecimento de algo há muito esquecido, o coração descompassa. Ao olhar para os lados, noviças mui alvas me sorriem, e me chamam para a dança. Sem hesitação, eu subo as escadarias dançando, junto com elas, me esvaindo, em êxtase. O encontro do sonho com a poesia, num resgate magistral de imagens fugidias...

sábado, 10 de dezembro de 2011

Novembro

Minha amiga em letras Eliane Ratier escreveu um poema sobre novembro. E a minha inspiração me obrigou a escrever este aqui. Novembro para mim foi especial, porque fui ao Congresso Brasileiro de Escritores, e este foi um marco para mim. Leiam então, a minha versão de novembro. A de Eliane vocês encontram no blog dela, que esta na relação ai ao lado!








Eu li ontem teu poema sobre Novembro.

E para mim, Novembro foi a virada

foi o momento em que eu decidi minha transformação.

transformei meu fardo de pedras

em travesseiro de sonhos.

transformei a minha solidão de palavras

em amizades novas e frescas,

de letras compartilhadas.

amizades de palavras e de almas,

que esperavam ser reencontradas.

novembro...

foi o mês do desapego.

penhorei o ouro do homem

para ganhar o meu ouro particular.

sai de onde eu preciso estar

para onde eu realmente queria ficar.

e hoje, mesmo com o novembro findo

continuo com ele a sonhar.

pois que a sensação de bem aventurança,

trabalho feito em meio a um sonho,

agora há de perdurar.

Novembro

foi o novo que veio

me procurar...

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

HERANÇA

E assim pensava eu:
para quem deixarei a minha herança?
para quem, o meu legado?
Pois não vale um centavo furado,
Mas sim a alegria do alforriado?

Para quem deixarei minha fortuna?
Centenas de livros empoeirados,
Que me regeneraram alma e candura,
Mesmo quando imersa em bruma,
Caminhava do inferno lado a lado?

E penso eu:
Quem veramente quererá
esta fortuna que a terra não come,
Mas o homem também não almeja?
Quem adivinhará a graça benfaseja
de brocados de poesia até os pés?

Certamente tal pessoa existe,
pois não me imagino a caminhar sozinha nesta terra.
Para aquele a quem minha herança deixar
lego liberdade d'alma,
pouso para dormir com sonhos,
e coragem para amar...

sábado, 3 de dezembro de 2011

DO AMOR

Amor... é algo singular

às vezes está

aonde não deveria estar...

ás vezes foge

de onde deveria andar,

mas é amor,

não há a quem culpar.



Amamos filhos, companheiros

E amigos,

Amamos cães e passarinhos

Esquisitos...

Amamos ler

Ou objetos de desejo.

Amamos sós

Ou acompanhados do beijo.



A vida dita que sejamos

Monogâmicos.

O coração diz que é

Bem mais dinâmico.

Quanto ao amor

Não há o que julgar.

Há somente

O agir

Ou atuar.



Por isso ame

Ame muito e não reclame,

Pois a vida é curta

E não anda para trás.

Saiba viver de amor

Continuamente

Mudando o foco, ou o “loco”,

Tanto faz.



Diga ‘eu te amo’

Para todos que te queiram

Também o faça

Para aqueles a quem quer mais.

Se não te expressas,

Diga então a alma inteira

Que o bem do amor

Já assim te satisfaz

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

SUJEITO OCULTO

Sutis interferências ocorrem no meu dia a dia. Agora sei a diferença entre insônia e inspiração. Insônia é a falta de sono que não te deixa dormir, por preocupações, acontecimentos. A inspiração vem como uma cadência, te contando como será a próxima palavra; ela te dá um sonho, e depois te acorda com a consciência para que se possa verter imagens fantásticas no papel.


Sonhei que era uma moça noiva de Poesia. Poderia chamá-lo de poeta, mas ele se apresentou no sonho como Poesia mesmo. E me ensinava que não basta escrever somente com maestria, mas que deveria haver aí o sentimento. Me ensinava tantas maravilhas, mas o mais importante era de saber verter os sentimentos no papel, ser autêntica.

Andava por vilarejos de casas baixas, patrimônios tombados do inconsciente, praias de ondas mansas, de areias extensas e brancas, aonde molhávamos os pés, carregando nossas sandálias.

Não vi o rosto de Poesia. Também a mim não importa. Nunca me importei com a aparência, mas com o que ele trazia para mim. Foi o sonho de uma vida, vivida em uma noite. Mas esta noite, ele me acordou, se apresentou. Ele era o sujeito oculto das minhas frases, o motivo da minha escrita ininterrupta, ainda que sofrida, por tantos anos.

Ele, Poesia, noivo sem rosto nem consistência no mundo da matéria, foi quem me deu durante todos estes anos, desde que fui prometida a ele, menina, o acalanto doce, o abraço necessário, o afago suave em meus cabelos. Ele pertence a Onírica, reino de sonhos, e neste nosso reino, eu sou a Rainha de Amarelo Manto.

Em mais de mil histórias ele já foi o protagonista; ele tentou impedir a invasão de meu castelo, e acabou se sacrificando, morto pelo inimigo, numa de suas grandes aventuras. Ele não era meu rei; era meu amor. Eu chorei e chorei, até que, sendo obrigada a sentar-me em meu trono, para desposar o rei inimigo, subverti a matéria sonho, e me transmutei em pura luz, só sobrando meus contornos. Adeus, Rainha de Amarelo Manto! Adeus, adeus...

Em outra grande história, eu era a jovem prostituta, amante de um general nazi, que percorria a dura sina com tristeza heróica, para salvar meu amante judeu escondido em um porão. Era uma cortesã eficiente, bem me lembro, mas com o medo nos olhos sendo escondido pelas risadas fingidas, hábil nas armas da sedução. Dormia com um para salvaguardar o outro. Não sentia culpa, mas redenção.

Poesia sempre esteve comigo. Foi ele que me levantava do lodo, toda vez que eu me achava esgotada, imaginando que nada valia, e ele me dizia: “levanta, minha querida, olha nos meus olhos.” E eu olhava. Olhos profundos, escuros como a noite, noite de se perder. E ele dizia: “estas correta no que fazes, no modo que pensas. Nunca duvides de ti, pois te amo, e sabes disso. Tenhas sempre certeza de que és minha amada.” E eu acordava com a sensação do abraço que ele acabara de me dar, e com as palavras fortalecedoras no ouvido. E continuava minha caminhada.

Sou noiva de Poesia. Ele pode ser o pescador, o rei ou o amante; ele pode ser o diretor que me faz ir adiante. Ele pode ser o ânimus da psicologia; pode ser meu sol de noite, minha sombra de dia. Mas fui prometida a ele em pequena, e ele cumpriu a promessa dele, sendo sempre meu guia...

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

NA PLATAFORMA

Estava eu parada na plataforma de ônibus em Ribeirão Preto, voltando de minha primeira viagem, após o nascimento de meus filhos, sem eles nem marido. Acabara de sair do Congresso Brasileiro de Escritores que ocorrera ali, e ainda estava sem acreditar em tudo o que havia visto e ouvido, os escritores que havia conhecido, os amigos que tinha feito.


Pensava em qual seria o meu arrependimento se eu tivesse desistido de ir, como quase o fizera, por falta de dinheiro... penhorara umas poucas jóias que tinha, para pagar as despesas do hotel, guardara o dinheiro duro de entrar com os escassos clientes, e como dizem, “joguei para o universo” que eu iria para esse congresso, e seria um divisor de águas em minha vida. E não é que fui mesmo?

Voltando a plataforma, eu estava ainda com um sorriso no rosto, lembrando de tudo o que vivenciara, quando uma senhora miudinha, de óculos de tartaruga, vestidinho azul abaixo dos joelhos, birote prendendo seus cabelos crespos e uma bíblia debaixo do braço me interpelou se eu estava indo para Campinas.

Disse que não, se eu poderia ajudar? Ela queria mesmo é saber das horas, explicou, porque o ônibus dela sairia as duas horas, e ela queria comprar um lanche, pois só estava com o café da manhã, etc. Continuou explicando sobre hipoglicemias e marcapassos, e eu a esperei terminar para lhe dizer que eram só uma e dez. Ela então disse que compraria depois, pois queria comer sentada no ônibus.

Daquele momento em diante, arranjei uma amiga de conversê. Veja bem, eu gosto de conversar, e não é pouco. Tenho certeza que a senhorinha logo percebeu a minha abertura, e como uma boa interiorana, puxou prosa, como dizem. Logo ela já sabia que eu iria para São Paulo, via as fotos de meus filhos, descobria que eu tinha morado em São Carlos...

Aliás, acho que morar no interior foi decisivo para que eu soltasse de vez a minha tramela. Não há lugar em que eu não inicie uma boa conversa. Me parece que a senhorinha também. Contou-me que sempre ia na sede da sua Igreja em São Paulo, que era lotado que era uma beleza...Quando me espantei com o fato dela ser septuagenária e não mostrar a idade que tinha, contou que a mãe dela era” branquinha, de cabelos lisos assim, ó...”, gestualizando o cabelo nos ombros, e que o pai dela era “bem pretinho”, rindo.

Ri com ela, e perguntei se sua mãe fugira com o pai, e ela disse que não sabia da história, mas achava que naquela época já tinha gente sem preconceito. A conversa enredou pela minha família, por irmãos mortos pela doença de Chagas, e assim fomos trocando informações sobre nossas vidas.

Quando fui ver, meu ônibus já encostava na plataforma, e eu disse que tinha que embarcar, que ela não se esquecesse de comprar seu lanche, faltava ainda meia hora para o ônibus dela chegar... e ela toda bonitinha, disse que eu não me preocupasse, que eu era uma jovem muito educada, linda, que prazer em conhecer! Que eu fosse com Deus, ao que respondi “Amém”, pois sem ele eu não vou a lugar algum, nem de dia nem de noite...

Entrei no ônibus com a sensação igual a de minha filha quando voltara da viagem de formatura. Não acreditava que aqueles dias haviam acabado, queria mais, estava em estado de graça! E a conversa com a minha amiga de plataforma encerrara a minha estada em Ribeirão Preto sendo abençoada...

Agora eu penso que a senhorinha era um anjo sem asas, que fora ver como eu estava, se aproveitara a oportunidade que Deus me dera, apesar de todos os sacrifícios. Acho que ela gostou do que viu. Voltei para minha terra com uma brisa em meu coração, e adormeci no ônibus com um sorriso no rosto. Em estado de graça.

CIGARRAS

Estridente e suave


agudo e inatingível,

som audível

e quase paupável:

o som das cigarras

no nipônico jardim.

O som quase desaparece

numa curva

e se intensifica,

abruptamente,

sob a copa das árvores.

Enlevo espiritual

sob a nota musical,

que sobe ao céu

e, de tão diáfana,

por fim, puxa a alma

que também se eleva.

Mudança de nível.

O corpo perece,

mas o som permanece...

Cigarras.

sábado, 8 de outubro de 2011

O QUE É ALEGRIA PARA VOCÊ?

O que é alegria para você? Já parou para se perguntar? Não estou questionando a clássica: para que vim ao mundo? Só quero saber o que te traz alegria. O que te faz sorrir.


Enquanto você pensa, eu vou te contar o que eu acho que é alegria, o que me faz sorrir. Acho que é justo, pois estou te perguntando, e você pode achar isto muito particular...

Bem, para começar, acho que a beleza me faz sorrir. A beleza pode estar em qualquer lugar. Exemplos? Um vaso de flores bem arranjado; um quadro que me convida a entrar nele; um belo poema que faz cócegas em minha alma; uma foto que me faz o coração crescer no peito; um beijo de filme que faz sentir-me beijada; o abraço do meu filho e os bate-papos com minha filha.

Mas há mais coisas que me fazem sorrir: a cumplicidade com meu parceiro de toda vida; uma viela escondida, cheia de flores, casas coloridas e gente sorridente, das cidades do interior. Um final de semana aproveitado do amanhecer ao por do sol, com todas as minhas entranhas, como um momento raro de descanso e união com os meus.

Vou te contar também de uma alegria quase juvenil que experimentei ontem: tomar um café com as amigas. Era um encontro que estava sendo cogitado há algumas semanas; marcamos com uma semana de antecedência, e meus preparativos não foram poucos. Quem iria ficar com o meu pequeno e levar a mais velha no compromisso inadiável que ocorreria na mesma hora do café?

Minha super irmã, também classificada como super tia para a ocasião, aceitou a tarefa de me substituir. Inclusive me mandou ir embora quando eu não sabia como sair de casa, pela total falta de experiência de ter momentos só meus...

Cheguei ao Café no horário, e minhas amigas foram chegando, uma a uma, de vários cantos da cidade, de vários compromissos. Não somos mocinhas, também não somos velhas. Nosso círculo é formado por garotas de 25 a 65 anos, aproximadamente. Temos maleabilidade para aceitarmos pessoas mais jovens ou mais velhas. Só não aceitamos pessoas que não saibam rir da vida ou chorar junto com as outras.

Começamos a conversar enquanto escolhíamos o que iríamos comer: com certeza, nada com menos de 500 calorias para cada uma. Afinal era um momento para ser celebrado, e não posto na balança...e mais um incentivo para recomeçarmos os exercícios na segunda feira.

Estávamos espantadas com a amabilidade dos atendentes, sempre cercando nossa mesa, quando descobrimos que eu pressionava um botão com meu punho cada vez que pegava a chícara de café... gargalhada geral, avacalhação geral. Pedi desculpas sem conseguir parar de rir, e prometi dar tchauzinho, quando errasse novamente...

Falamos sobre tudo: filhos, netos, viagens inadiáveis, rezas certeiras, a melhor pinga, como ajudar amigas das amigas, nossas angústias e nossas conquistas... nos emocionamos, rimos e choramos. Tiramos fotos para registrar o momento, pois este era um momento único.

Voltei para casa com o coração leve, cantando uma música de coral que falava de arco-íris cor de prata... remocei vinte anos, relembrando a minha juventude. Quando cheguei ao meu apartamento, meu periquito veio me receber, cantando na minha orelha, pedindo beijinhos.

Meus filhos ainda não haviam chegado, e fiquei saboreando as lembranças da tarde. Lembrei-me do rosto de minhas colegas, sorrindo, rindo, e identifiquei beleza. Lembrei-me das rugas de umas, do viço de outras, e continuei vendo beleza. Foi quando me dei conta que a beleza de todas vinha da alegria do momento.

Viver o momento como se fosse único é óbvio; como se fosse o último, não é tão óbvio. Mas percebi que todas em volta daquela mesa estavam vivendo aquele momento único como se fosse o último, pois se viesse um tufão no próximo momento, todas iríamos embora nos sentindo amadas umas pelas outras.

Agora é a sua vez. Já compartihei o que é meu. Vamos tomar um café para você me contar o que te faz sorrir?

sábado, 1 de outubro de 2011

ESTRANGEIRO

Somos estrangeiros.

Imagem desfocada

Na paisagem do país

Em que vivemos.

Diferentes,

Face, corpo,

Pensamentos.

Um estrangeiro em seu país:

Jardim de rosas de sua casa.

Um estrangeiro no estrangeiro:

Pedra, cinza, pinheiros, templos.

O escuro dos templos

Combina com branca pele,

Cabelos de ébano

E olhos rasgados,

Discretamente cinzelados

Com riqueza deslumbrante.

O estrangeiro combina

Com cores, vida, liberdade,

A não-domada consciência.

De tudo, a essência

É a mesma,

Mas alteram-se as formas,

Elaboradas

A partir do vivente espaço.

INDAGAÇÃO

Saberia ainda

Ter a pureza,

A inocência

Da infância?

Meus pensamentos,

Há muito foram violados;

O sentido do que é bom,

Deturpado,

A criança,

Há muito se enterrou.

Idéias, valores, política,

Tudo o que me ensinaram

Em criança,

Caminha contra

Os preceitos que vivencio

Em adulta.

Talvez por isto

Exista o verbo adulterar...

Se ressuscitar os valores infantis

Morrerei na selva adulta;

Se me guiar pela conduta vulgar,

Perderei meu eixo no mundo.

Se posso ver aos dois lados,

Por que raios

Não posso seguir minhas leis

E habitar o mundo?

Indignação profunda da criança prestes a apanhar.



Tão presa às regras,

Tão temente a Deus,

Vou me deixando escravizar,

Com medo de sacrificar

Os meus.

Em criança, o pecado,

Em adulta, o destino,

Ao morrer será que Deus

Estará satisfeito comigo?

São indagações que me faço,

Enquanto eu mesma

Me persigo.

Anti-heroína

Dos dois lados,

Brigando

Para defender

A posição

Em que não me sinto.

Meu eu, tão procurado,

Também está brigado comigo,

Pois não lhe sacio as vontades,

Não lhe solto em seu destino.

Estou amarrada de todo o lado

E ainda assim me obrigo a sorrir,

E a dar por findo

Meu dilema,

Meu crime e castigo.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A SERPENTE E O BUDA

Japão
o corpo
quente
a cabeça
fria.
disparidade
entre
a serpente
e o Buda.
Tranquilo
é o jardim
e o lago
aonde debruça-se
a árvore lapidada.
Quente
é a entrada do templo
aonde repousa
pousa
o Buda dourado:
pura essência
irrefreada
que vai morrer
no lago.
E, cruzando meu corpo,
o dragão,
pura e indomada
energia,
suave e potente
elegia
que solta
 o fogo
do Buda
na mente
disparmente
fria.
É a chuva
que cai
na entrada
do templo.
É a água do lago
que volve a ser
água
e volverá
a ser nada
no instante
que o Buda
-calor incessante-
a toca.
A árvore lapidade.
E assim
o Japão
chora.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

O telefone toca...

            O telefone toca. Atendo, e do outro lado, minha amiga moradora do outro hemisfério me diz olá com sotaque de “hello”. Nos conhecemos há muito, muito tempo, desde os nossos 12 anos. Ela, com o jeitinho oriental, eu com o meu jeito italiano de ser, formamos uma bela amizade há vinte e oito anos.

            Nos correspondemos desde que ela emigrou para os Estados Unidos, e lembro da minha família esperando para que eu lesse a carta que chegara. Invariavelmente, minha mãe chorava, pois as sincronias eram tantas entre nós que nem mesmo a distância nos separava. Eu amava receber uma carta “par avion”, com um “please, don´t fold”, pois sabia que o “favor não dobrar” vinha seguido de uma bela foto, ou uma dobradura, ou um belo desenho.

            Éramos muito quietas, as duas. Introvertidas, metidas em nossos próprios mundos. Eu escrevia poemas; ela desenhava o que hoje popularizaram como garotas de mangá. Ela me ensinava a desenhar os olhos, rosto, mãos... Eu lhe deixava levar meu caderno de poemas para ler em casa. Eramos consideradas “CDFs”, mas não nos importava. Adorávamos ler os livros do Richard Bach, escutar Richard Cleiderman, um pianista muito brega, com uns arranjos faceizinhos que até moazinha aqui tocava, e também ficarmos caladas, sentadas no carpete do quarto minúsculo, encostadas na parede, sem falar nada.

            Esquisitas? E atrapalhadas. Como no dia que fomos conhecer o Centro Cultural de São Paulo e pegamos o ônibus errado. Fomos até o ponto final e voltamos. O passeio ficou para o outro dia... Idealistas, fomos assistir o filme “Gandhi”, compramos a biografia do homem (que eu não consegui terminar de ler até hoje- biografia é um porre!), discutíamos o assunto como verdadeiras entendidas.

            Tínhamos uma outra colega de “recreio”, que queria ser escritora, e começou a escrever um “livro”. Trazia os manuscritos uma vez na semana. Parecia com estes romances de banca de jornal. Tinha o moreno bonitão-rico –e- musculoso, a garota virgem- e-pobre, e um cenário típico dos anos oitenta. Espero que ela tenha guardado os manuscritos, pois se eu dou risada relembrando das descrições de cada suíte do casarão aonde se passava a história, imagino ela, lendo os originais. Era algo como “o quarto com papel de parede floral em tons verdes, com abajur combinando, banheiro com azulejos verdes...” No outro quarto, a mesma coisa, só que em cor de rosa. E assim ia. Se quiser ter uma idéia, basta entrar numa casa ou apartamento que não foi reformado desde essa época, e olhar a cor de cada banheiro...

            Ficávamos as três, tomando lanche e compartilhando as nossas criações artísticas. Foi a melhor época que eu tive naquela escola, pois parei de me incomodar com os apelidos que me davam e brincadeiras sem graça que faziam. Eu era vítima de “bulling” e não sabia...

            Porém, quando íamos para a oitava série, minha amiga me contou que a família estava se mudando para os Estados Unidos. Chineses, fugindo do comunismo, haviam conseguido finalmente o visto para morarem lá. Ela se foi, eu mudei de escola, e passei da infância para a adolescência com minha melhor amiga partindo para muito longe.

            As cartas começaram.  Vivemos por carta a emoção da outra de entrar numa faculdade, de estar apaixonada, de casar, do primeiro filho... Tempos modernos, começamos eventualmente a utilizar o telefone. Tempos ultramodernos, agora nos conversamos por email.

            E hoje ela me ligou. Pelo telefone percebo a voz desanimada. Ela tenta disfarçar, pergunta das minhas crianças, do meu carro que foi roubado (sim, sou brasileira!), eu respondo, mas logo pergunto: “e você?”. Silêncio, e logo ela começa a contar. Ficamos uma hora e vinte conversando. Como já disse, ela calada, com seu jeito oriental, e eu falando, e aconselhando, bem italiana. Acabamos desligando pela absoluta impossibilidade de eu dar um abraço ao vivo nela, passar pelo fio do telefone, sei lá, ser teletransportada até lá, para poder confortá-la. Acabamos rindo ao confessarmos, ambas, que estávamos famintas.

            Duas mulheres maduras, cada uma de um lado do globo, mas unidas pela amizade. Ela não tem até hoje uma amiga como eu onde ela vive! Ela gastou um interurbano danado para ficar fungando do outro lado da linha, enquanto eu dava a solução para os problemas do mundo...Minha filha sempre se espanta, e diz que é muito engraçado eu ter tantas amigas(os) espalhados pelo mundo, todos longe de mim. Eu acho uma dádiva, pois provamos,com estes laços que perduram por décadas, que  a presença física não importa, mas a ligação entre as almas, sim.  

sábado, 11 de junho de 2011

NAVEGANDO NA INTERNET

Há alguns dias uma amiga querida me enviou, como de costume, alguns e-mails com belíssimas imagens e mensagens, ou notícias de todo o mundo. Daquela vez ela me enviara um documento em “PDF”, um livro, falando dos primeiros banqueiros, os Rostchild, e datando ao longo dos séculos como esta família continua a frente das maiores instituições financeiras, e, diz o documento, fomentando guerras para poder financiá-las de ambos os lados. Também me enviara um “Power Point” sobre o Islã, sobre a Sharia, e como os muçulmanos vão impondo seu modo de vida quando vão morar em outros países. Ela escreveu a todos os amigos que concordando ou não com o que era relatado, achava interessante conhecer todos os lados de um assunto. Mas os textos e imagens eram tão chocantes, que me causaram um forte impacto.

Foi quando lhe escrevi um e-mail, pois somos modernos, e não enviamos mais cartas, não é? E pus na telinha o que me ia na alma. Depois, achei que era algo que deveria ser compartilhado. Então, estou reproduzindo na íntegra o texto, pois acho que esta reflexão é necessária.



“Querida amiga X,

Vi o Power Point hoje; ontem li metade do livro falando sobre os Rostchild. É perturbador entrar em contato com todas estas informações, pois a sensação é de estarmos num beco sem saída. Como conseguiríamos colocar estas diferentes raças/culturas em seus devidos lugares, a não ser com mais matança e ódio por eles? E quem nos garante que tudo o que lemos também não é manipulado para que sintamos ódio por todos eles? Somos todos parciais e defensores do nosso status quo. C Cada um defende a sua própria verdade, de acordo com sua própria evolução pessoal. E as pessoas não estão reunidas por acaso neste ou naquele grupo étnico, religioso, etc. São os semelhantes que se atraem.

Dentro desta nossa globalização de informações, me recordo de um dia, há anos atrás, quando minha sogra, japonesa que assiste NHK diariamente, mas não assiste ao jornal nacional, estava preocupadíssima com a reprodução acelerada dos brotos de bambu...no Japão. Sofria por uma situação da qual não participava. Vivia (e vive) tão fora da realidade brasileira que não sabe nem comer arroz com feijão e uma farofinha. Precisa ir a Liberdade toda semana para reabastecer a despensa.

Agora imagine que nós estamos nos angustiando com o que ocorre em outras plagas, enquanto não conseguimos sequer ir visitar o orfanato ao lado semanalmente, para ler um livro para crianças carentes de tudo. Estamos nos preocupando com algo que pode, talvez, nos afetar financeiramente, se houver algum embargo comercial, mas nada com o qual já não estejamos acostumados, visto que pagamos impostos para tudo e não recebemos nada em troca (nem educação, nem saúde, nem estradas, nem polícia, nem...)

Ficamos absurdados com a Sharia, mas convivemos pacificamente com polícia que é bandido, com grupos de extermínio, padres comendo criançinhas, mulheres e idosos sendo violentados, intimidados. Você sabia que se você for (como eu fui), com uma idosa a uma delegacia para pedir para ajudar com um familiar que está se tornando agressivo e ameaçador, o policial irá rir da tua cara e dizer que não pode fazer nada, a não ser que “aconteça alguma coisa” (leia matar, bater ou estuprar, por exemplo...)? A delegacia do idoso é uma farsa, a da mulher também. Não nos indignamos com nada disto, porque ninguém nos informa. Mas nos importamos com o desrespeito idêntico que ocorre do outro lado do globo. Aqui não fazemos nada, e do outro lado também não o faremos, porque lá não vivemos.

O que aprendi é que a máxima “a caridade começa em casa” é abrangente em vários aspectos. Se ensinarmos aos nossos filhos a serem gente, e aos nossos vizinhos o que é ser ético (através do exemplo), com certeza já estamos fazendo algo. Se ensinarmos aos pequenos que a roupa que não serve irá para os pobres, que o brinquedo deve ser conservado, para poder ir inteiro para a próxima criança, já estamos começando um movimento. Se separarmos o lixo reciclável em seus devidos lugares ao invés de jogar a sacola com tudo misturado em qualquer um dos conteineres, já estamos dando o exemplo. Os movimentos reais são pequenos, como a pedrinha que faz um círculo ao cair na água. Este círculo irá se propagar.

Mas há círculos que, eu acho, não devem se propagar. O da desconfiança pelos semelhantes é um deles. Eu não sei o que falam de mim, ou de nós, mas na verdade, pouco importa. Se vierem me atacar, aí eu vou me defender, mas caso contrário, todos são homens e mulheres, pais e filhos, e importam para alguém. Tem sentimentos. E só conhecem aquele código cultural, Para eles, nós os amedrontamos, assim como eles nos amedrontam.

Sabe, nós ganhamos um periquito aqui em casa. Ele é criado solto, vai e vem da gaiola quando quer. Quando escuta a porta da casa abrir, corre para o nosso ombro, canta na nossa orelha, e mordisca de leve, como se desse beijinhos. Outro dia uma amiga minha o conheceu e ficou espantada. Disse que nunca em sua vida tinha visto um periquito domesticado, pois eles são ariscos e agressivos. Eu lhe respondi que como eu era ignorante da impossibilidade de domesticá-lo, domestiquei. Como não sabia que era agressivo, lhe dei carinho, e ele retribuiu. Como não sabia que era arisco, brinquei com ele e lhe dei de comer na mão. Sem os pré-conceitos conseguimos nos relacionar plenamente.

Se eu tivesse analisado como era a formação social japonesa, nunca teria me casado com um descendente. Às vezes a inexperiência e a ignorância enriquecem as nossas vidas...Vamos ler estas informações, sempre, mas vamos também buscar informações no primeiro quilômetro que nos rodeia. Acho que este movimento, sim, deveria ser propagado. O que você acha?

Beijinhos”



E boa reflexão para todos!

O PÃO

                O aroma do pão rescendia pela casa. Em um dia de “tia Anastácia”, resolvera colocar a mão na massa, literalmente. Farinha, grãos de trigo, ovos, leite, fermento...tudo fora devidamente amassado, amalgamado, até formar aquela massa perfeita, desgrudando da mão, que fora então posta a crescer, no milagre da multiplicação que só um bom fermento pode fazer.

Enquanto fazia o pão, pensava em tudo o que este representava. Era o alimento do corpo; na missa, o pão repartido era o pão do espírito. Para alguns, era prosperidade; para ela, era realização.

            E o pão se espalhava pela casa, com seu cheirinho tão bom, pedindo uma manteiga em cima e uma xícara de café fumegante como acompanhamento. Aos poucos, os viventes foram chegando, trazidos pelo aroma que apontava para a cozinha.

            O filho mais novo já pedia um pedaço; a mais velha relutava em declarar-se faminta. A sua natureza belicosa em relação a mãe e suas produções foi dobrada pela aparência convidativa. Logo estavam todos em volta da mesinha da cozinha, com o passarinho da família piando, querendo participar da festa.

            Aliás, o periquito era um caso a parte. Criado solto pelo apartamento, sofria de ilusões de ser passarinho francês, e queria estar sempre em cima da mesa, imaginando que sobraria alguma migalha de comida para ele.

            Voltando a cena, era tão raro ver todos em volta da mesa! Um queria ver televisão enquanto comia; a outra mal comia em casa. Normalmente era só a mãe a utilizar a cozinha, fosse para preparar as refeições, fosse para comer sozinha. Os três riam, os dois irmãos conversavam e brincavam; a filha começou a contar os sentimentos e acontecimentos recentes, os sonhos. Neste momento a mãe viajou novamente para o significado do pão: pão da vida.

            Naquele momento aquele era o pão da vida, o pão que devolvera a comunhão daquela família. E como aprendera anos antes, o fazer do pão a transformava, e aos seus também.  Pequenos milagres diários.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

CASAMENTOS

O assunto era o casamento da professora de ginástica. Preparativos para a festa, prova de vestido, quantos andares teria o bolo, quais as lembrancinhas escolhidas... Do lado das alunas, o presente que iriam dar a noiva, a surpresa no chá de cozinha...

Na academia de público feminino, praticamente um clube da Luluzinha, as mais velhas traziam conselhos. Outras  traziam lembranças. Todas compartilhavam, não mais em volta de uma fogueira, ou na mesa da cozinha, mas na roda de ginástica.

Uma magia universal, de mulheres se unindo, foi tomando forma. Umas diziam: “nunca durma brigada com o marido”. Outras aconselhavam: “tenha Deus no casamento”. Outras simplesmente aconselhavam a guardar no coração (e em cadernos, fotos, bilhetes), os bons momentos, para que fossem o sustento para os dias difíceis.

                Interessante que nenhuma destas mulheres falava de como administrar uma casa, como guardar dinheiro, como aumentar um patrimônio. Todas deram de si o que melhor tinham, e o que era mais importante: segredos para manter uma boa relação com o companheiro.

                Afinal, casamento não se resume em fazer festa, brincar de casinha, assinar papéis de propriedade conjunta. Casamento é companheirismo, crescimento mútuo, e isto, somente regado a muita paciência.

                Atire a primeira pedra aquele que nunca pensou em arrumar as malas e ir embora ao menos uma vez na vida. Os antigos tinham paciência. Casamentos que duram são fruto de muitas voltas por cima, muitos sapos engolidos, muitas lágrimas escondidas. Mas há atrás disso tudo a lembrança de um começo bom, da paixão. Os corpos envelhecem, a barriga, a bunda, os seios, os cabelos não ficam no mesmo lugar.  Olhar para o companheiro(a) com o mesmo desejo é uma arte. A arte de ater-se a realidade, de reconhecer o esforço de quem está com você, por todos esses anos, suportando todos os defeitos (sim, temos defeitos!), e também o nosso envelhecer.

                No Japão, quando o marido volta cansado do trabalho, a esposa diz: “otsukaressama deshita”. Não há uma tradução literal, mas o significado seria “bendito seja o teu cansaço”, pois “tsukareru” é cansar-se, o prefixo “o” indica respeito, assim como o “sama”, e “deshita” indica a ação no passado. `As vezes aprendemos com outras culturas a respeitarmos aquilo que não vemos, como o dia que o nosso companheiro passou longe de nós. Eu levo comigo esta atenção especial das submissas porém sábias japonesas.

                A vida é feita de pequenas coisas. Mas mesmo as pequenas coisas não sobrevivem sem amor, sem atenção. Uma comida simples, feita com atenção, vale. O trabalho feito com dedicação, vale. Ouvir o que o outro está falando, vale. Um chá quente, um afago quando estão juntos, cuidados não solicitados, vale.

                O amor não tem pressa. Não é conto de fadas, com um ”viveram felizes para sempre”, nem uma eterna vilania do sexo perfeito, como o querem os livros e filmes americanos. Há o prazer no dia certo, o respeito ao cansaço alheio, quando este se faz evidente. Mas tudo isso é amor, respeito, vida a dois. Não é o paraíso, também não é o inferno, a não ser que assim queira considerá-lo.

                Uma das maravilhosas companheiras do círculo de mulheres contava a relação com o marido com Alzheimer. Ela poderia ter considerado a experiência um inferno, mas não. Cuidou do companheiro até o final. Contava para nós como o casamento foi maravilhoso. Às vezes ficava louca com as atitudes já insensatas do marido, se entristecia por não ser mais reconhecida, mas sabia que havia no fundo dele a história dos dois, pois, até o final, ele sentava ao lado dela para ver televisão, sempre de mãos dadas, como quando estava são.

                Histórias fortes, histórias tristes, como das que foram abandonadas, e lutaram para criar sozinhas os filhos, histórias....O casamento de uma despertou o casamento de todas as outras, e resultou num compartilhar de experiências sem igual.

sábado, 2 de abril de 2011

RELIGARE

1-

PAI,

Que as coisas

Sejam.



2-

Ampliando,

Abrindo a visão.

Vendo sempre

O voltar por seus braços.

O Eterno.

Dissolução.



3-

A ignorância,

A boa ignorância.

O conhecimento,

O mau conhecimento.

Viver em dissonância

Entre o ato e o pensamento.

Querer ir

E fazer coisas para ficar.

Não crer que o sonho

Possa acabar.

O que me chama?

A música.

A música!

E a ajuda.

A união.

A não religião.



3-

Tomates vermelhos.

Redondos

Maduros

Túmidos.

Prontos

A explodir

Em oferenda

A Deus.



4-

Na busca,

A perda.

Conhecimento?

Divisão.

Meu espírito

Eterno.

Meu corpo

Decomposição.

Atômicas notas

No espaço...

segunda-feira, 14 de março de 2011

ESPADA

Meu costumeiro verso


É sagrado,

Cheio de palavras

De espada,

Que cortam

O vento e o universo

Desfazendo a vida

Em tudo e nada.

sábado, 12 de março de 2011

PASSARINHO

A vida é cheia de graça. Há algumas semanas estava em depressão, vendo tudo embotado, minhas capacidades, minha falta de riso... tudo denunciava o meu lado chato, nada “clown”, nada simpático ou agradável.


Eis que minha filha, com toda sua determinação, conseguiu trazer para casa um periquito que estava prometido a ela desde o ovo, literalmente. Fomos buscá-lo na casa da amiga, e ele veio com várias recomendações , uma lata com ração e uma velha gaiola.

Ela declarou que o animal seria criado solto, no dedo, porque morria de dó de passarinho preso na gaiola. Também disse que cuidaria do periquito, pois era dela. Fiquei realmente impressionada com o discurso, e esperei a prática.

Obviamente, no dia seguinte a chegada do novo membro da família, quem limpou a gaiola, colocou jornal para o passarinho fazer cocô enquanto lia as notícias e reabasteceu a ração foi esta que vos fala. A dona do animal limitou-se a levá-lo para seus aposentos, para que ele pudesse ficar lendo o livro junto com ela, empoleirado em seu ombro.

A novidade durou dois dias. Logo as atividades diárias, escolares e extra curriculares foram maiores que o interesse pelo pássaro. Inversamente proporcional foi o aumento da minha responsabilidade para com o mesmo, e já que eu nunca tive que cuidar de periquitos, recorri ao nosso moderno “pai dos burros”, ou seja a internet.

Após duas horas de pesquisa, percebi que passaria mais tempo cuidando do pássaro do que de meus próprios filhos. Obviamente, se isso fosse possível. Expliquei para minha recém chegada filha, naquela tarde, o que não poderíamos fazer, o que o bichinho teria que comer. Ela não gostou nada, mas não retrucou, já que não tinha informações melhores.

Nos primeiros dias o periquito estava triste, assustado. Eu cantei para ele, dei frutas, e achei que o bicho iria morrer de tristeza sem os outros periquitos. Foi quando lhe dei um pedaço de espiga de milho, e conquistei sua confiança.

Aos poucos o periquito começou a voejar pela cozinha. Quando eu o queria na gaiola, lhe dava o pedaço de milho, e logo ele vinha comigo. Fui me afeiçoando ao pássaro. Quando chegou ao final daquele dia, fui dormir com um sorriso no rosto.

Passados mais dois dias, minha filha se queixou que o passarinho não vinha mais na mão dela. A estas alturas, ele já estava voando pela sala, e só ia na mão quando queria retornar a gaiola. Ela não queria o animal livre? Pois eu o estava criando livre.

E estou. Agora o periquito pia para que eu abra a gaiola, e vai no dedo até ela quando se cansa de voar. Hoje meu filho menor passou a manhã sem ver a televisão, ganhando a confiança do animal , e conseguindo finalmente que ele viesse na sua mão, e passeasse pelo apartamento pousado em seu braço. O periquito estava bem a vontade, e meu filho, feliz.

A dona do periquito dormia, e a casa estava acesa. Voltei a sorrir; meu filho sente que tem um companheiro, a vida ficou mais leve. Se o periquito é da minha filha ou da família, pouco importa. Meu esposo chega e vai assoviar para o passarinho. Hoje veio com areia própria para o bicho, e uma cordinha para ele bicar.

Todos mimam, todos precisam cuidar. A vida não é mais triste, por conta de um passarinho de dez centímetros.

DESPEDAÇADA

Despedaçada. É como eu me sinto. Todos os pedaços do meu ser sendo devorados por si próprios, autofagia, aniquilação. Não há processo criativo que vá para frente, não há esperanças.

Gostaria de não estar escrevendo isto, mas tenho que me colocar em algum lugar. Os poemas me fugiram. O piano me afugenta. Minha voz quer ficar silente, pois diziam que eu falava muito, ela se cansou. Meu riso está desacorçoado, não sabendo para onde ir.

Minha cabeça nada cheia de idéias, mas são todas fugidias, ou muito longas, estafantes. Estou cansada de sentir, de pensar, de amar, de me entregar. Preciso de férias de mim mesma, ir a um paraíso, sem juízo, sem juízes.

Tenho muito tempo de sobra, e não sei o que fazer com ele. Tenho obrigações rotineiras, e uma cansaço medonho, que tem me acompanhado estes últimos tempos. Acima de tudo isto, há uma perda muito grande. Há perdas muito grandes. Perda de entes queridos, perda de uma amiga querida, minha confidente, minha conselheira. Com ela tudo eu podia falar, pensar, sonhar. Ela me apoiava.

Agora, não há mais longas conversas ao telefone, nem curtas conversas, nem uma oração por mim quando me sentia triste, nem um “vai passar” que me console quando tudo parece uma bosta.

O luto é algo concreto, é a perda do contato com a pessoa querida. Da espiritualidade, que cuidem os espíritos nesta hora, pois o que nos faz falta é a presença física, ainda que acreditemos na imortalidade da alma. A alma não tem a capacidade de nos ligar ao telefone, enviar a carta, nos dar um sorriso visível. Ela está não estando, é não sendo, pois a matéria do qual é feita não nos pertence, não nos toca.

Pois é, estou de luto. Luto por todos aqueles que se foram nestes últimos meses, e que me deram a consciência que o ser espiritual segue um caminho, nós que estamos aqui na terra seguimos outro, e enquanto nossos caminhos não se cruzam (o que significaria a minha morte, no caso), tenho que aprender a lidar com a finitude inevitável, com a dor palpável daquilo que não mais tocamos.

sexta-feira, 11 de março de 2011

LAPSOS DE TEMPO

Lapsos de tempo. Passei por vários deles, desde a última vez que escrevi. Perdi pessoas queridas, e fui rever minha vida. A única coisa que nunca deixei de ser foi ser artista, escritora, sonhadora. Estou voltando a sonhar. Ou viver? Quem ler, decide.

Blog Palavra Prima, é para lá que eu vou

Quem chega aqui deve perceber que as postagens estão cada vez mais escassas. O motivo real é a criação, há mais de dois anos, de outro blog,...