domingo, 18 de dezembro de 2011

UM NATAL DIFERENTE

Dezembro; quase nas vésperas do Natal. Tantas lembranças vem a tona, de outros anos, de antigas comemorações... ihhh! Vão pensar vocês, mais um texto batido sobre sentimentos, consumismo, saudosismo... Calma, continuem a ler. Quem sabe eu não surpreendo um pouco?


Quase dezoito anos se passaram. Eu morava no Japão, com meu marido. Havia oito meses que vivíamos no país do sol nascente, e a adaptação não era das mais fáceis. Eu, particularmente, batia de frente com muitos costumes, e morria de saudades do meu país. Como estava em processo de aprendizagem da língua japonesa, não havia muito tempo para me entristecer com saudades, pois o esforço era imenso para poder falar logo. Assim se passaram os oito meses, mas agora, até para mim e meu esposo, era época de férias.

Para os japoneses, o que importa é a chegada do Ano Novo. Eles dão importância para qual animal do horóscopo chinês irá reger o ano que se iniciará. Trocam cartões de ano novo (nengajyo) entre todos os conhecidos. Preparam arranjos de ikebana específicos para esta época do ano, com galhos de pinheiro, crisântemos e um arbusto de pequenos frutos vermelhos. Preparam comida para três dias, pois irão receber visitas de amigos, irão visitar outras casas e peregrinarão por vários templos, xintoístas e budistas, para pedirem bênçãos para o Ano Novo. Na virada do Ano, os templos budistas tocam seus sinos 365 vezes, para abençoar o ano vindouro. Costumes diferentes dos nossos, mas não tão distantes de nossas confraternizações.

Porém no Japão não se comemora o Natal. Lá a data não tem um significado como para os cristãos; torna-se data de troca de presentes, costume herdado da época em que os americanos os subjugaram. É uma boa data para o comércio, mas nada diz aos japoneses.

E lá estava eu, sozinha com meu marido, em plena noite de Natal, no meu kitchinete, lembrando de outros natais. Estávamos um pouco tristes, com a distância da família, e não havia com quem comemorar, pois nos encontrávamos numa cidade que vivia para outra religião. Preparavamo-nos para jantar, quando tocou o interfone.

Meu marido atendeu, e o pessoal da recepção do alojamento informou que seu amigo Nakata estava subindo. Nakata era amigo do tempo que meu esposo fizera seminário no Japão. Ele tinha uma feição muito pálida, era muito, muito feio, e o raciocínio não o ajudava muito. Era preterido pelos japoneses, e encontrara nos brasileiros seminaristas os amigos que não conseguira fazer entre os seus. Ele não se esquecia disto, e quando soube que meu marido havia retornado ao Japão, vinha nos visitar sempre que podia.

Meu marido abriu a porta para Nakata. Ele trazia várias sacolas nas mãos e corremos a ajudá-lo, sem entendermos nada. Ele entrou se desculpando pelo mau jeito, e foi logo explicando: “Onishi san, hoje lembrei que sua esposa é ocidental, e deveria estar com saudades do Brasil, porque é Natal. Sei que na Tenrikio não comemoramos, mas eu passei na frente do açougue, e eles estavam assando isto, e eu trouxe para fazermos uma comemoração.”

Dito isto, abriu a sacola maior, e foi tirando três pacotes de dentro. Qual não foi minha surpresa quando me deparei com três frangos assados, douradinhos, embalados? Nota de esclarecimento: no Japão qualquer carne é muito cara, e tudo é vendido em pedaços, em pequenas bandejas nos mercados. Crianças japonesas não tem a mínima idéia de qual seja a anatomia completa de um frango morto. Daí o meu espanto, de ver três –três! – frangos assados inteiros na minha frente!

De outra sacola tirou uma garrafa de champagne, e de outra tirou um presente. Disse que havia ido ao “pachinko” (algo como nossos bingos, cheio de caça-níqueis), e havia ganho aquele presente, que era de senhora, então havia se lembrando de mim, se meu marido não se importasse, pois ele não tinha namorada para oferecer. Abri a caixa e havia um belo porta-jóias. Agradeci, feliz, olhando para meu marido, que não entendia nada.

E então fomos aos frangos. Pusemos a mesa, fiz um arroz, lavei salada, e resolvemos cortar o assado. Nossa boca salivava, com aquela visão dourada a nossa frente. Garfo espetado, a faca correu pelo peito do frango e... estava crú por dentro!! Nakata nos olhou com cara de “ai meu deus”, e eu fui rápida: “não tem problema, colocamos no forninho.”

Outra nota: no Japão a maioria das casa não tem fogão como os nossos. Eles não sabem fazer bolos, pouco fazem assados. Usam ao invés disso, pequenos fornos elétricos, e pequenos fogões parecidos com os de camping. Então, foi necessário o improviso. Despedaçamos o frango, e fomos colocando no forninho, para terminar de assar. Abrimos o champagne, e comemoramos a nossa amizade, e a lembrança de Nakata.

Havia muito frango, e resolvemos, com a anuência de Nakata, compartilhar com os amigos que ficavam de plantão na recepção. Foi outra festa inesperada. Foram buscar a cerveja, e todos comemoramos, de maneira bem peculiar, um Natal no Japão.

E Nakata, nosso amigo feioso, branco como cera, de raciocínio fraco e coração enorme, transformou-se no nosso anjo sem asas naquele dia, e para sempre belo aos nossos olhos. Milagres de Natal...

sábado, 17 de dezembro de 2011

CAMINHOS DE MULHER

Vejo, todo dia, mulheres a caminho.


Caminhos de ida, caminhos de volta.

Mais jovens, mais velhas,

Atemporais.

Faço, às vezes, parte do caminho delas.

Presencio, apoio, me emociono.

A vida é bela em nossas procuras.

Digo nossas porque me reconheço

Na história de cada uma delas.

Fragmentos, na verdade,

De sentimentos, ressentimentos,

Motivações – ou a falta delas.

Precisam, muitas vezes,

De quem as ouça.

As vezes, de uma direção;

Outras, cumplicidade

Ou complacência.

Outras, ainda, orientação.

Mas do que estou falando?



Era uma vez uma mulher que perdera a direção. Não sabia dizer quem ela era, apesar de enumerar corretamente tudo o que havia feito na vida. Casara com o primeiro namorado; tivera filhos e os perdera; tivera uma carreira que amava, e se aposentara.

Os anos passaram, e a alegria de viver ficara em alguma esquina dos caminhos que percorrera. O marido não era mais seu companheiro, diálogos eram preenchidos por silêncio, no medo de não desagradar. Ela tentava agradar a todos, ser boazinha, como a mãe ensinara de pequena, mas esquecia-se de agradar a si própria. Ainda havia vida pela frente, mas a angústia a invadia ao pensar o que gostaria de fazer nos próximos anos, pois não sabia a resposta!

Caíra numa tristeza sem fim. Médicos não conseguiam detectar o problema, não havia um rótulo que lhe coubesse. Não havia antidepressivo que lhe resolvesse. Havia um corpo magoado, dolorido, chorando alto, sentindo a solidão dela nela mesma.

Um dia resolveu buscar outro tipo de ajuda. Tratando-se, conversava. Falando, começou a se escutar, e a se analisar. Um dia acordou com vontade enorme de costurar. A quantos anos, deus meu, que não pegava num tecido, linhas, máquina? Comprou panos, linha, e quis fazer uma blusa. Não tinha moldes, e descosturou uma blusa de que gostava para copiar o feitio. Cortou, costurou, mas não estava satisfeita. Não estava perfeita. Era a manga, não era? Não, não era.

Era o caminho de volta começando a ser feito. Começou a lembrar de sua infância pobre no interior. E das histórias da mãe.

E era uma vez uma mocinha de seus doze, treze anos, que morava numa fazenda. Era a única mulher de um bando de irmãos. Logo cedo já ajudava a mãe com a lida da casa, da cozinha, e não demorou muito, da costura também.

Resolveu então tentar fazer uma camisa para o irmão mais velho, que vivia de chamegos com ela, que era a caçula. Mas como fazer? Resolveu descosturar uma camisa velha. Desenhou cada parte num papel de jornal, cortou o tecido, alinhavou... a mãe só a olhava com o canto de olho, enquanto remendava uma ou outra peça, e sem nada comentar, sorria para si mesma. “menina esperta, esta menina.” Mas gente daquela época não dava muita confiança para criança; nada falou. A mocinha seguia absorta, costurando o tecido xadrez, bonito que só vendo, e, afinal, conseguiu terminar a camisa!

Os outros irmãos também quiseram. Logo ela estava costurando camisas para eles e também para os peões de sua fazenda e também das vizinhanças. Cresceu, casou-se com um dos peões para quem costurara uma camisa; seu pai a pôs para fora de casa, e ela foi viver num rancho simples, mas feliz. Teve os filhos e os perdeu também, e costurou por toda a vida para viver e por prazer.

E os caminhos se encontraram. Quarenta anos depois, a filha descosturando a blusa, refazendo os passos da mãe... Para saber quem era ela, tinha que buscar o seu começo. E o que era antes dela. Quem era ela, e quem a fizera.

Na frente de seus olhos passaram cenas boas, da mãe costurando na máquina de pedal, com o lampião de gás no meio da sala e o rádio ligado; a mãe costurando seu vestido para o casamento de um de seus irmãos. As duas escolhendo a fazenda para seus vestido de noiva.

A máquina nova veio com a luz na casa do rancho; sua mãe e ela, fundidas cada vez que ajustava uma cintura de um vestido, cerzia um tecido...

E o fio de sua vida foi reencontrado, e ela soube dizer quem ela era. Desta forma vi um caminho de volta sendo feito. Chorei com ela, me emocionei com a busca e com seu resultado.

E acabou-se a história e não morreu a Vitória, como diz meu filho. Entrou por uma porta, saiu pela outra, e quem quiser que conte outra. Por acaso você teria uma para compartilhar?

domingo, 11 de dezembro de 2011

DE CONVENTOS, SONHOS E POESIA

De todas as imagens que me saltam a mente, não sei por que motivo, sempre me tocam as de antigas igrejas e de conventos. Quando leio um poema, um conto ou qualquer texto que me remeta a estas imagens, sinto como se estivesse falando para mim.

Dizem que é coisa de vidas passadas, lembranças de outras existências. Não sei se realmente isto existe, mas o meu imaginário é repleto destas imagens. Muitas vezes, em meus sonhos, passeio por ruínas de conventos, não mais do que pedras amontoadas. De repente, os espíritos das noviças estão no páteo, mocinhas de longas camisolas alvas, todas olhando para mim, se perguntando o que fui fazer ali. Quando me dou conta, o edifício está inteiro, com seu grande portal de entrada, com mais de três metros de altura, uma porta enorme de madeira entalhada, e escadaria enorme para chegar até lá. Como se, ao subir as escadarias e adentrar aquela porta, tivéssemos direito a entrar nos céus de imediato...

Quando olho novamente, há somente ruínas, e os olhos inquisidores das noviças, todas de pé em cima das ruínas, me pedindo auxílio para que o convento se reerga novamente. Faço um esforço, e novamente vejo o edifício de pé. Uma fileira de camisolas alvas então se dirige ao amplo portal, e se esfumaçam lá dentro. Minha missão está cumprida. Por que fui até tal lugar?

Volto a este lugar mesmo quando acordada. Quando vejo antigos edifícios religiosos, relembro de meu sonho. Por que conventos me chamam tanto? Lembro da emoção que sentia quando estudava no colégio as freiras. As orações me tocavam, as músicas enchiam meu peito de alegria. Ninguém de minha casa me ensinara a ser assim. Eu era assim, como que por dizer, de nascença. Ou de renascença?

Nunca sonhei em colocar um hábito, levar uma vida entre quatro paredes, mas sempre admirei quem a tudo renega para servir uma vocação. E havia sempre o mistério do último andar da escola, das freiras na clausura. Seriam brancas como ratos albinos, sem nunca tomar sol? Saberiam ainda falar, ou apenas balbuciariam palavras ininteligíveis, se, algum dia, encontrassem outro ser humano? Estariam habitando algo parecido com o espaço sideral, e voltariam de lá com os ossos fracos, precisando ser carregadas?

Questionamentos de uma menina com muitas idéias na cabeça... as noviças continuam me olhando de pé sobre as ruínas, muito, muito alvas e quietas. Anjos que nunca descansaram. Noivas de alguém que elas esqueceram. Até o momento em que um sino repica, repetidamente, dando a hora exata. Serão as matinas?

Não! Elas começam a formar um círculo e a se dar as mãos. E de repente, começam a bailar graciosamente, como sacerdotisas pagãs, louvando a primavera que chega, entregando seus corpos a natureza, as camisolas etéreas, os pés a mostra, sem tocar o chão... percebo que agora suas faces estão coradas, os olhos brilham, estão vivas. Elas me chamam para dançar.

Eu sorrio e corro para a roda. Em frente ao convento, pisando num gramado orvalhado, danço, junto com meus fantasmas. Me perco nas voltas de nossa ciranda, num ritmo de uma “danza de España”. A paisagem roda, vertiginosamente. A imagem de minhas companheiras vai se esvaindo, o grande portal do convento esmaecendo, e quando eu me jogo, exausta, na relva, percebo que ao meu lado só tenho ruínas, cobertas de mato.

Tantos anos se passaram desde meu sonho. Lembranças de claustros, de sinos ao longe, permeiam minh’alma. E então leio estes versos, compartilhados por um amigo:

"Eu te veria num convento espanhol

Onde se dance: castanholas em homenagem ao Senhor;

Através do parlatório

Apunhalando os aficionados

Com esses olhos retraídos e lascivos."



A delicadeza dos versos me fere as órbitas. Não consigo enxergar, pois as lágrimas tomaram conta dos meus olhos. Como em sinal de reconhecimento de algo há muito esquecido, o coração descompassa. Ao olhar para os lados, noviças mui alvas me sorriem, e me chamam para a dança. Sem hesitação, eu subo as escadarias dançando, junto com elas, me esvaindo, em êxtase. O encontro do sonho com a poesia, num resgate magistral de imagens fugidias...

sábado, 10 de dezembro de 2011

Novembro

Minha amiga em letras Eliane Ratier escreveu um poema sobre novembro. E a minha inspiração me obrigou a escrever este aqui. Novembro para mim foi especial, porque fui ao Congresso Brasileiro de Escritores, e este foi um marco para mim. Leiam então, a minha versão de novembro. A de Eliane vocês encontram no blog dela, que esta na relação ai ao lado!








Eu li ontem teu poema sobre Novembro.

E para mim, Novembro foi a virada

foi o momento em que eu decidi minha transformação.

transformei meu fardo de pedras

em travesseiro de sonhos.

transformei a minha solidão de palavras

em amizades novas e frescas,

de letras compartilhadas.

amizades de palavras e de almas,

que esperavam ser reencontradas.

novembro...

foi o mês do desapego.

penhorei o ouro do homem

para ganhar o meu ouro particular.

sai de onde eu preciso estar

para onde eu realmente queria ficar.

e hoje, mesmo com o novembro findo

continuo com ele a sonhar.

pois que a sensação de bem aventurança,

trabalho feito em meio a um sonho,

agora há de perdurar.

Novembro

foi o novo que veio

me procurar...

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

HERANÇA

E assim pensava eu:
para quem deixarei a minha herança?
para quem, o meu legado?
Pois não vale um centavo furado,
Mas sim a alegria do alforriado?

Para quem deixarei minha fortuna?
Centenas de livros empoeirados,
Que me regeneraram alma e candura,
Mesmo quando imersa em bruma,
Caminhava do inferno lado a lado?

E penso eu:
Quem veramente quererá
esta fortuna que a terra não come,
Mas o homem também não almeja?
Quem adivinhará a graça benfaseja
de brocados de poesia até os pés?

Certamente tal pessoa existe,
pois não me imagino a caminhar sozinha nesta terra.
Para aquele a quem minha herança deixar
lego liberdade d'alma,
pouso para dormir com sonhos,
e coragem para amar...

sábado, 3 de dezembro de 2011

DO AMOR

Amor... é algo singular

às vezes está

aonde não deveria estar...

ás vezes foge

de onde deveria andar,

mas é amor,

não há a quem culpar.



Amamos filhos, companheiros

E amigos,

Amamos cães e passarinhos

Esquisitos...

Amamos ler

Ou objetos de desejo.

Amamos sós

Ou acompanhados do beijo.



A vida dita que sejamos

Monogâmicos.

O coração diz que é

Bem mais dinâmico.

Quanto ao amor

Não há o que julgar.

Há somente

O agir

Ou atuar.



Por isso ame

Ame muito e não reclame,

Pois a vida é curta

E não anda para trás.

Saiba viver de amor

Continuamente

Mudando o foco, ou o “loco”,

Tanto faz.



Diga ‘eu te amo’

Para todos que te queiram

Também o faça

Para aqueles a quem quer mais.

Se não te expressas,

Diga então a alma inteira

Que o bem do amor

Já assim te satisfaz

Blog Palavra Prima, é para lá que eu vou

Quem chega aqui deve perceber que as postagens estão cada vez mais escassas. O motivo real é a criação, há mais de dois anos, de outro blog,...