Hoje meu tempo é de
silêncio. Guardo a energia para boas batalhas, há muito deixei de lutas vãs.
Não se engane achando que perdi a alegria; ela é taça de vinho com a qual
comemoro a diário o presente que é a vida. Mas hoje, a vida vem em silêncio.
Hoje meu tempo é de
silêncio. Rebusco memórias, embrulho segredos em papéis de seda, bem guardados,
a prova de quedas. Enveredo por alamedas de perguntas a respeito dos que se vão
de nossas vidas, e recebo em resposta outra pergunta: será que algum dia eles
estiveram nela? Pergunto da importância que damos as memórias que guardamos no
corpo, da veracidade dos sentidos para mim e para o outro. Somos seres que
transformamos química em memória, e nos ancoramos nelas.E minhas memórias balançam em silêncio no cais de meu corpo.
Hoje é tempo de silêncio.
Busco meus punhais enferrujados, meus escudos já rachados, e os ponho numa
grande fogueira. Já não me servem de nada, estou em tempos de paz com o mundo.
A guerra que travo é comigo mesma, e para esta guerra, preciso de um grande
espelho que me desnude, que me traduza. O pequeno espelho que tinha não me
dizia toda a verdade. Quebrei-o, e hoje busco no tato saber-me em meus
contornos, minhas rugas, minha tessitura. Não sei e não me importo se sou alva
ou negra. Neste meu silêncio, introjeto o Ser.
E hoje é tempo de silêncio. Tempo de ler mensagens entre as linhas e
entre as letras, tal qual estranha pauta musical, que pode me remeter a adagios
ou allegros que repercutem no meu instrumento corpo. É tempo de soletrar
ausências e sentí-las "Dor" agora, para que passem a ser algo com que eu me
reconheça depois; tempo de decidir se sofro a dor imposta ou a devolvo ao
impositor. Dor, vinagre, ferida sempiterna, não a quero mais, penso. Mas quem
me garante que não a queira ainda sentida? Eis a questão.
Hoje é tempo de levantar a taça do bom vinho à vida que passa silente,
enquanto meu corpo busca sinfonias no caderno da memória.