“Basta-me um pequeno
gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas
comigo
e eu para sempre te
leve...
- mas só esse eu não
farei.
Uma palavra caída
das montanhas dos
instantes
desmancha todos os
mares
e une as terras mais
distantes...
- palavra que não
direi.”
(Cecília Meireles, Timidez)
Tenho dez minutos. Somente dez minutos para te dizer tudo,
antes que comece um novo dia. Antes que a partida se concretize, e você suba
neste ônibus, indo para o outro lado da minha vida. Sim, você simplesmente
sumirá do meu mapa, não fará parte dos acidentes geográficos que conheço e
percorro. Já tenho menos de dez minutos...
Então, começo pelo fim. Não pense em ida sem volta. Aqui estarei, acenando ao te ver na janela, quando estiver lendo estas linhas, somente para te
lembrar que estarei esperando. Você. Sem preâmbulos, sem palavras floreadas. Você.
Carne e osso, cheiro bom, conversa e toque. Você. Não posso fazê-lo ficar, mas
posso fazê-lo voltar.
Nove minutos. Tenho que te dizer tudo. Embalei o que
vivemos em canções antigas, anos 80, MPB de boa qualidade, para proteger de tudo
que remetesse à realidade. “Nosso amor, um rubi, pedra rara e preciosa...”,
canta aqui minha lembrança, e acredito que eles cantavam para nossa história. E você, o que
acha? Pense, enquanto o ônibus te leva para longe de mim. Melhor, não pense,
sinta. Sei que você tem esta música aí contigo, coloque o fone de ouvido e
sinta.
Sete minutos. Você me olha escrevendo, não sabe ainda que
é tua esta carta. Sempre fui assim, avessa a dizer o que sentia. Nunca tive o
dom de saber me declarar, demonstrar meus sentimentos. Sempre preferi escutar. Olha
a tua sorte, estou conseguindo te escrever, e dizer que quero você aqui comigo!
Que você fará falta, como um membro amputado. Como estômago com fome? É, não
sou muito romântica, mas quem já não sentiu fome? Tenho certeza que você
entenderá o que eu digo. E vai lembrar que eu te faço rir, sempre...
Cinco minutos. E meio. Lembre-se das nossas conversas. Você
vai querer ficar sem elas? Sinta. Sem o meu colo, para você deitar a cabeça
cansada de pensamentos e pedindo sonhos? Sinta. Sinta. Lembre-se da conjunção
das nossas peles, eu sou tua preta, lembra-se? E você é meu índio, olhos
rasgados. Ok, não somos Peri e Ceci, mas somos uma bela dupla. Lembre-se. Sinta.
Três minutos, e ainda não consegui escrever o que
preciso. Talvez, quem sabe, um poeta me ajude? Amar o perdido deixa confundido
este coração. Sim, amar o perdido. Sim, é disto o que falo. Sei que você me
esperou por tanto tempo, mas eu sou aquela que não sabe se entregar, lembra-se?
Aquela que você dizia que tinha vocação para a solidão. Pois eu também
acreditava nisto. Até o dia de hoje. Quando estou perdendo minha referência,
meu norte.
Um minuto, e já nos despediremos. Não vou fazer cena, nem
te dizer palavras ao pé do ouvido. Só te darei esta carta, para você começar a
ler quando o ônibus começar a sair da plataforma de embarque. Quero que você vá,
realize teus sonhos, que ajudei a dar forma, mas, por favor, quero que volte. Já
é meia noite no fim da página, o motorista irá chamar todos a bordo, e eu só
preciso registrar que a nossa cumplicidade de anos tem nome. Amor. Sinta isso. Eu
só me dei conta agora que você sabe disto, está implícito no teu abraço
apertado, que me deste a pouco. Pois bem, eu vou contigo, e só volto quando você voltar. O que
estará acenando para você será só meu corpo. Olhe para o lado, no teu banco. Eu
estou contigo... Então, apelando pela tua compaixão, volte logo e me devolva minha
alma, sim, meu Peri?
“Não faças de ti
Um sonho a realizar.
Vai.
Sem caminho marcado.
Tu és o de todos os caminhos.
Sê apenas uma presença.
Invisível presença silenciosa.
Todas as coisas esperam a luz,
Sem dizerem que a esperam.
Sem saberem que existe.
Todas as coisas esperarão por ti,
Sem te falarem.”*
Ceci.
* Excerto do poema Tu
Tens um Medo, de Cecília Meireles
*Este
post é parte integrante do projeto “Caderno
de Notas – Segunda Edição”,
do qual participam as autoras Ana Claudia Marques, Ingrid Caldas, Luciana Nepomuceno, Lunna Guedes,Maria Cininha, Tatiana Kielberman, Thelma Ramalho e
a convidada Mariana Gouveia…
encantador, emocionante...Viajei nas tuas palavras.
ResponderExcluirLindo, Ana!
me transportei..
ResponderExcluirrelendo...
beijos querida
TEM TEXTO QUE A GENTE SE ENCONTRA EM ALGUNS DOS SEUS TRECHOS. ADOREI
ResponderExcluireu vou começar a cobrar passagem pelas viagens...rs. Obrigada, meninas. Fico feliz em saber que tocou em quem leu. bjkas
ResponderExcluirLindo e extremamente sentido. Adoro suas letras!
ResponderExcluirBeijos!