Perdida em meio aos meus ais, encontro motivos toscos para
todos eles. Afinal, de que serve uma melancolia sem motivos? Nem que seja a
leveza que me traz o copo de vinho, nem que seja a estranha certeza do teu amor
antigo, que ainda permanece comigo.
Perdida em meio aos meus ais, me sento no alpendre da casa
antiga com sempre renovada disposição de sofrer por ti. Sim, pois que
envelheci, assim, seca de amor, esses caminhos em minha face, esses meus
cabelos rajados de branco, nunca mais cortados desde o dia que te vi partir
prometendo que voltarias. Minha trança conta os anos de lonjura em cada nó, e
eu fico aqui, só. Poderia ter sido avó, antes poderia ter sido mãe, se tivesses
me possuído.
Mas cá estou eu, perdida em meio aos meus ais, colo vazio, ventre
improdutivo, perdido para o destino das mulheres. Que prazer tive eu, que pouco
ou nada tive de você? O prazer imaginado das moças antigas dos interiores, onde
recato era moeda de troca no mercado vigente... o prazer de poder andar de mãos
dadas contigo, em tardes perfumadas pelos jasmineiros em começo de primavera, o
prazer de poucos beijos roubados, assim, na curva antes de chegar ao muro da
casa, quando um olhar rápido nos assegurava a ausência de um vigia.
Lembro-me de teu sorriso franco, de tuas declarações, hoje
tão infantis, nas cartas amareladas que guardo no fundo de minha gaveta. Lembro
do frio que corria minha espinha quando me enlaçavas para dançarmos, em nosso
bailes interioranos. E minha caderneta de dança era só tua... hoje danço
sozinha, e pouco me importa se me vejam. Já estou na idade da senilidade, que
pensem o que quiserem.
E aqui, perdida em meio aos meus ais, me vejo na plataforma
do trem, me despedindo de ti. E vejo teu olhar brilhando, teu sorriso triste, e
escuto tua promessa. Será que realmente aconteceu? Não posso precisar, pode ser
o vinho, pode ser minha vontade de que realmente tivesse acontecido... as
lembranças já nada são, que importa se criadas ou vividas? Me contento com
elas, revivo, sinto novamente, remoço por dentro.
Mas não voltaste. Lembro de pessoas chegando aqui nesta
casa, neste alpendre, me chamando. Lembro... de não lembrar de mais nada. Não sei
quem te levou, não consigo lembrar como partiste. Não houve corpo para velar,
nem missa de sétimo dia. Pus teu nome nas intenções da missa, e enlutei. Do teu
amor fiquei viúva. Mas vesti branco, a cidade estranhou, minha família
estranhou. E eu disse: de negro já vai a noiva Morte, com ele. Eu sou a amante,
e de branco eu vou.
E hoje dona Branquinha eu sou. Perdida em meio aos meus ais,
cartas antigas e nós no trançado, como os das árvores, dando a data, a precisão
do amor que ficou em mim. Neste velho alpendre, uma certeza eu tenho: do teu
amor antigo, constante e amigo.
lindo texto..
ResponderExcluirtriste sim, mas belo..
beijo e bom final de semana..
obrigada, Ingrid! tão bom saber que o texto tocou o leitor! bom final de semana para ti também!
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