Um
viva a flexibilidade de pensamento. Um viva a alegria de experimentar coisas
novas. Não fosse graças a isso, não teria vivido algo diferente neste carnaval.
Momento em que as pessoas se declaram avessas a esta festa, por tantos motivos
de cunho pessoal, religioso, moral, intelectual e nem sei mais quantos outros,
resolvi passar por cima de meus próprios preconceitos e reexperimentar o
carnaval. Reexperimentar, sim, pois quando menina e adolescente adorava pular
carnaval nas matinês do clube. Sabia, e sei, todas as marchinhas de carnaval. O
que me fez considerar o convite de meu esposo, para desfilarmos no carnaval de
São Paulo, na ala da comunidade de duas escolas: Tom Maior e Estrela do Terceiro
Milênio.
Vale
dizer que nestes últimos anos tenho buscado viver mais, me divertir e
aproveitar cada momento que me cabe nesta vida que Deus me deu. Minhas atitudes
contagiaram os outros membros da família, e meu marido, antes um workaholic
inveterado, aprendeu a levar a vida de forma mais leve. Imaginem um japonês te
convidando para entrar no samba? Pois foi o que aconteceu... eu que surpreendia
a todos, fui surpreendida desta vez. A maratona começou com os ensaios no
Sambódromo, nos meses de janeiro e fevereiro. A integração dos participantes, o
objetivo simples de se divertir e tentar levar a escola a uma boa colocação no
carnaval, e a organização que permeia toda esta diversão me surpreenderam.
Mas
nada me preparou para o dia em que fui buscar as fantasias que iríamos usar. Brilho,
belos adereços, detalhes primorosos me deixaram de boca aberta pela semana que
antecedeu o carnaval. Meu escritório converteu-se em quarto de fantasias, e
todos que chegavam queriam vê-las. As duas, douradas, me remetiam aos sonhos
que a gente tem em criança, de vestir fantasias dos personagens de livros. E lá
estava eu.
Decorados
os sambas-enredo, aprendido o passinho simples para quem não samba, fantasias
vestidas, com costados, ornamentos de cabeça, não éramos mais indivíduos, mas
parte da comunidade. Pessoas que trabalham todos os dias do ano, e querem
participar do carnaval como protagonistas do espetáculo, sabendo-se importantes
pelo simples fato de disporem de seu tempo e do seu corpo para empunharem
fantasias como bandeiras, e defenderem suas escolas como quem defendem dogmas,
posições absolutas. A paixão é evidente nos olhos de todos. São frentistas,
empregadas domésticas, terapeutas, diretores de escola, merendeiras, cobradores
de ônibus... são arlequins, orixás, animais, passistas, artistas aplaudidos por
outros artistas, durantes os dois quilômetros do Sambódromo, desafiando o seu próprio
cotidiano, o seu lugar comum. Superam-se, e trazem beleza, alegria, emoção para
quem vê aquele espetáculo. E também para quem participa pela primeira vez.
Todas
aquelas pessoas com quem convivi nestes dias me trouxeram novamente a certeza
de que somos tão iguais, tão iguais... vivemos de nossos sonhos, e eles nos
fazem acordar todo dia, passar por obstáculos. Se meu sonho é escrever um
livro, ser presidente de uma empresa ou desfilar na passarela, realmente não
importa. Se eu sou branca, negra ou oriental, qual a minha orientação sexual,
moral ou religiosa, também não importa. Somos iguais, vamos sempre atrás do que
nos faz vibrar. Desta vez, aprendi a viver da forma simples. E percebi que aí
também residem os sonhos, e estes sonhos simples podem nos surpreender com sua
beleza.