Hora do almoço. Teresa entrou no restaurante simples, comida
por quilo, postou-se na fila com a bandeja e o prato na mão, esperando a sua
vez de servir-se. Logo atrás dela uma moça miúda, morena, posicionou-se olhando
impaciente para a fila. Teresa lhe dirigiu um sorriso e a moça comentou:
- como está cheio hoje, não acha?
- está, mas não me incomodo – respondeu Teresa, já se
servindo das saladas – gosto de ver gente – sorriu.
A moça balançou a cabeça, colocou duas fatias de tomate no
prato e disse:
- eu não me acostumo, vim do interior, sabe?
- ah, isto explica bastante – comentou Teresa –quer sentar
comigo? Aqui não tem muitas mesas, e estou só. E me chamo Teresa.
- ah, então aceito. E me chamo Marta, muito prazer.
Pesaram os pratos e foram se sentar. Marta contou que vinha
de uma pequena cidade, o ritmo era outro, muito mais lento.
- parece que não consigo me adaptar a esta cidade. Deste
jeito eu vou ter que voltar para minha terra... – arqueou os ombros para
frente, enquanto olhava para o prato.
- tudo é questão de ser flexível, você sabia?
- como assim?
- por exemplo. Eu peguei um monte de salada e você só dois
tomates, não foi?
- sim. E daí?
- há uns dois anos eu só pegava tomates, como você. Aí li
que tínhamos que fazer pratos coloridos, para conter todas as vitaminas.
Comecei a experimentar o agrião, depois outro dia a beterraba, um brócolis... o
paladar acostumou, olhe a diferença! – e apontou para o prato, sorrindo.
- ah, mas a vida não é um prato...
- mas pode ser, se você quiser. – e deu uma piscadinha.
Marta remexeu-se na cadeira, olhou para Teresa intrigada:
- ok. Então me explique.
- por exemplo, hoje você está sentando comigo. Imagine que
eu sou um brócolis... não ria. Você está experimentando algo novo no “seu
prato”.
Marta riu junto com Teresa.
- ah, mas com você está sendo fácil, caro brócolis! Como
fazer com o resto, que acho estranho?
- eu tenh
o uma teoria: todos temos limites a vencer.
Primeiro temos que reconhecê-los, e depois atacá-los um a um.
- hum... e como se faz isto, me explica! – Marta
inclinava-se, começando a interessar-se.
- bem – começou Teresa – vamos a outro exemplo gastronômico.
Eu não conseguia comer nada com coentro. Sempre dizia que era forte, que o
sabor tomava toda a comida, enfim. Tinha um preconceito gastronômico contra o
pobre coentro...
- tá, e... – Marta grafava a comida, prestando atenção em
Teresa.
- um dia fui comer com uma amiga num restaurante baiano.
Escolhi um peixe com leite de coco, delicioso, de lamber os beiços. Quando o
garçom veio recolher os pratos, eu elogiei o peixe, e falei que queria saber o
que tinha dentro, para ficar tão bom. Ele educadamente me descreveu o prato, e
disse que o segredo era o coentro!
- uai, então você gostava de coentro!
- sim! Eu só achava que não. E hoje não recuso nada com o
tempero, e tenho experiências culinárias incríveis!
- hum... então você acha que eu deveria experimentar tudo o
que acho estranho e diferente?
- não é bem isso. Há coisas que não precisa experimentar,
pois não te farão diferença alguma na vida. Eu por exemplo, não como quiabo e
não vou morrer por isto...
- então – concluiu Marta – devo perceber o que me incomoda
mas é importante para eu me adaptar à esta cidade e experimentar, é isto?
- isto mesmo! A gente é que se limita, e a gente também é
que tira estes limites de nossas vidas.
– Teresa olhou o relógio – e agora, uma limitação imposta. Horário de ir
embora, tenho que trabalhar!
- ah, Teresa, obrigada pela conversa! Nunca mais vou
esquecer da história do coentro... –
riu.
- Que bom. Sorte para você nesta cidade que vai desbravar a
partir de agora!
Teresa saiu em direção ao caixa, deixando a moça a digerir
suas palavras.