sexta-feira, 25 de novembro de 2011

SUJEITO OCULTO

Sutis interferências ocorrem no meu dia a dia. Agora sei a diferença entre insônia e inspiração. Insônia é a falta de sono que não te deixa dormir, por preocupações, acontecimentos. A inspiração vem como uma cadência, te contando como será a próxima palavra; ela te dá um sonho, e depois te acorda com a consciência para que se possa verter imagens fantásticas no papel.


Sonhei que era uma moça noiva de Poesia. Poderia chamá-lo de poeta, mas ele se apresentou no sonho como Poesia mesmo. E me ensinava que não basta escrever somente com maestria, mas que deveria haver aí o sentimento. Me ensinava tantas maravilhas, mas o mais importante era de saber verter os sentimentos no papel, ser autêntica.

Andava por vilarejos de casas baixas, patrimônios tombados do inconsciente, praias de ondas mansas, de areias extensas e brancas, aonde molhávamos os pés, carregando nossas sandálias.

Não vi o rosto de Poesia. Também a mim não importa. Nunca me importei com a aparência, mas com o que ele trazia para mim. Foi o sonho de uma vida, vivida em uma noite. Mas esta noite, ele me acordou, se apresentou. Ele era o sujeito oculto das minhas frases, o motivo da minha escrita ininterrupta, ainda que sofrida, por tantos anos.

Ele, Poesia, noivo sem rosto nem consistência no mundo da matéria, foi quem me deu durante todos estes anos, desde que fui prometida a ele, menina, o acalanto doce, o abraço necessário, o afago suave em meus cabelos. Ele pertence a Onírica, reino de sonhos, e neste nosso reino, eu sou a Rainha de Amarelo Manto.

Em mais de mil histórias ele já foi o protagonista; ele tentou impedir a invasão de meu castelo, e acabou se sacrificando, morto pelo inimigo, numa de suas grandes aventuras. Ele não era meu rei; era meu amor. Eu chorei e chorei, até que, sendo obrigada a sentar-me em meu trono, para desposar o rei inimigo, subverti a matéria sonho, e me transmutei em pura luz, só sobrando meus contornos. Adeus, Rainha de Amarelo Manto! Adeus, adeus...

Em outra grande história, eu era a jovem prostituta, amante de um general nazi, que percorria a dura sina com tristeza heróica, para salvar meu amante judeu escondido em um porão. Era uma cortesã eficiente, bem me lembro, mas com o medo nos olhos sendo escondido pelas risadas fingidas, hábil nas armas da sedução. Dormia com um para salvaguardar o outro. Não sentia culpa, mas redenção.

Poesia sempre esteve comigo. Foi ele que me levantava do lodo, toda vez que eu me achava esgotada, imaginando que nada valia, e ele me dizia: “levanta, minha querida, olha nos meus olhos.” E eu olhava. Olhos profundos, escuros como a noite, noite de se perder. E ele dizia: “estas correta no que fazes, no modo que pensas. Nunca duvides de ti, pois te amo, e sabes disso. Tenhas sempre certeza de que és minha amada.” E eu acordava com a sensação do abraço que ele acabara de me dar, e com as palavras fortalecedoras no ouvido. E continuava minha caminhada.

Sou noiva de Poesia. Ele pode ser o pescador, o rei ou o amante; ele pode ser o diretor que me faz ir adiante. Ele pode ser o ânimus da psicologia; pode ser meu sol de noite, minha sombra de dia. Mas fui prometida a ele em pequena, e ele cumpriu a promessa dele, sendo sempre meu guia...

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

NA PLATAFORMA

Estava eu parada na plataforma de ônibus em Ribeirão Preto, voltando de minha primeira viagem, após o nascimento de meus filhos, sem eles nem marido. Acabara de sair do Congresso Brasileiro de Escritores que ocorrera ali, e ainda estava sem acreditar em tudo o que havia visto e ouvido, os escritores que havia conhecido, os amigos que tinha feito.


Pensava em qual seria o meu arrependimento se eu tivesse desistido de ir, como quase o fizera, por falta de dinheiro... penhorara umas poucas jóias que tinha, para pagar as despesas do hotel, guardara o dinheiro duro de entrar com os escassos clientes, e como dizem, “joguei para o universo” que eu iria para esse congresso, e seria um divisor de águas em minha vida. E não é que fui mesmo?

Voltando a plataforma, eu estava ainda com um sorriso no rosto, lembrando de tudo o que vivenciara, quando uma senhora miudinha, de óculos de tartaruga, vestidinho azul abaixo dos joelhos, birote prendendo seus cabelos crespos e uma bíblia debaixo do braço me interpelou se eu estava indo para Campinas.

Disse que não, se eu poderia ajudar? Ela queria mesmo é saber das horas, explicou, porque o ônibus dela sairia as duas horas, e ela queria comprar um lanche, pois só estava com o café da manhã, etc. Continuou explicando sobre hipoglicemias e marcapassos, e eu a esperei terminar para lhe dizer que eram só uma e dez. Ela então disse que compraria depois, pois queria comer sentada no ônibus.

Daquele momento em diante, arranjei uma amiga de conversê. Veja bem, eu gosto de conversar, e não é pouco. Tenho certeza que a senhorinha logo percebeu a minha abertura, e como uma boa interiorana, puxou prosa, como dizem. Logo ela já sabia que eu iria para São Paulo, via as fotos de meus filhos, descobria que eu tinha morado em São Carlos...

Aliás, acho que morar no interior foi decisivo para que eu soltasse de vez a minha tramela. Não há lugar em que eu não inicie uma boa conversa. Me parece que a senhorinha também. Contou-me que sempre ia na sede da sua Igreja em São Paulo, que era lotado que era uma beleza...Quando me espantei com o fato dela ser septuagenária e não mostrar a idade que tinha, contou que a mãe dela era” branquinha, de cabelos lisos assim, ó...”, gestualizando o cabelo nos ombros, e que o pai dela era “bem pretinho”, rindo.

Ri com ela, e perguntei se sua mãe fugira com o pai, e ela disse que não sabia da história, mas achava que naquela época já tinha gente sem preconceito. A conversa enredou pela minha família, por irmãos mortos pela doença de Chagas, e assim fomos trocando informações sobre nossas vidas.

Quando fui ver, meu ônibus já encostava na plataforma, e eu disse que tinha que embarcar, que ela não se esquecesse de comprar seu lanche, faltava ainda meia hora para o ônibus dela chegar... e ela toda bonitinha, disse que eu não me preocupasse, que eu era uma jovem muito educada, linda, que prazer em conhecer! Que eu fosse com Deus, ao que respondi “Amém”, pois sem ele eu não vou a lugar algum, nem de dia nem de noite...

Entrei no ônibus com a sensação igual a de minha filha quando voltara da viagem de formatura. Não acreditava que aqueles dias haviam acabado, queria mais, estava em estado de graça! E a conversa com a minha amiga de plataforma encerrara a minha estada em Ribeirão Preto sendo abençoada...

Agora eu penso que a senhorinha era um anjo sem asas, que fora ver como eu estava, se aproveitara a oportunidade que Deus me dera, apesar de todos os sacrifícios. Acho que ela gostou do que viu. Voltei para minha terra com uma brisa em meu coração, e adormeci no ônibus com um sorriso no rosto. Em estado de graça.

CIGARRAS

Estridente e suave


agudo e inatingível,

som audível

e quase paupável:

o som das cigarras

no nipônico jardim.

O som quase desaparece

numa curva

e se intensifica,

abruptamente,

sob a copa das árvores.

Enlevo espiritual

sob a nota musical,

que sobe ao céu

e, de tão diáfana,

por fim, puxa a alma

que também se eleva.

Mudança de nível.

O corpo perece,

mas o som permanece...

Cigarras.

Blog Palavra Prima, é para lá que eu vou

Quem chega aqui deve perceber que as postagens estão cada vez mais escassas. O motivo real é a criação, há mais de dois anos, de outro blog,...