Sutis interferências ocorrem no meu dia a dia. Agora sei a diferença entre insônia e inspiração. Insônia é a falta de sono que não te deixa dormir, por preocupações, acontecimentos. A inspiração vem como uma cadência, te contando como será a próxima palavra; ela te dá um sonho, e depois te acorda com a consciência para que se possa verter imagens fantásticas no papel.
Sonhei que era uma moça noiva de Poesia. Poderia chamá-lo de poeta, mas ele se apresentou no sonho como Poesia mesmo. E me ensinava que não basta escrever somente com maestria, mas que deveria haver aí o sentimento. Me ensinava tantas maravilhas, mas o mais importante era de saber verter os sentimentos no papel, ser autêntica.
Andava por vilarejos de casas baixas, patrimônios tombados do inconsciente, praias de ondas mansas, de areias extensas e brancas, aonde molhávamos os pés, carregando nossas sandálias.
Não vi o rosto de Poesia. Também a mim não importa. Nunca me importei com a aparência, mas com o que ele trazia para mim. Foi o sonho de uma vida, vivida em uma noite. Mas esta noite, ele me acordou, se apresentou. Ele era o sujeito oculto das minhas frases, o motivo da minha escrita ininterrupta, ainda que sofrida, por tantos anos.
Ele, Poesia, noivo sem rosto nem consistência no mundo da matéria, foi quem me deu durante todos estes anos, desde que fui prometida a ele, menina, o acalanto doce, o abraço necessário, o afago suave em meus cabelos. Ele pertence a Onírica, reino de sonhos, e neste nosso reino, eu sou a Rainha de Amarelo Manto.
Em mais de mil histórias ele já foi o protagonista; ele tentou impedir a invasão de meu castelo, e acabou se sacrificando, morto pelo inimigo, numa de suas grandes aventuras. Ele não era meu rei; era meu amor. Eu chorei e chorei, até que, sendo obrigada a sentar-me em meu trono, para desposar o rei inimigo, subverti a matéria sonho, e me transmutei em pura luz, só sobrando meus contornos. Adeus, Rainha de Amarelo Manto! Adeus, adeus...
Em outra grande história, eu era a jovem prostituta, amante de um general nazi, que percorria a dura sina com tristeza heróica, para salvar meu amante judeu escondido em um porão. Era uma cortesã eficiente, bem me lembro, mas com o medo nos olhos sendo escondido pelas risadas fingidas, hábil nas armas da sedução. Dormia com um para salvaguardar o outro. Não sentia culpa, mas redenção.
Poesia sempre esteve comigo. Foi ele que me levantava do lodo, toda vez que eu me achava esgotada, imaginando que nada valia, e ele me dizia: “levanta, minha querida, olha nos meus olhos.” E eu olhava. Olhos profundos, escuros como a noite, noite de se perder. E ele dizia: “estas correta no que fazes, no modo que pensas. Nunca duvides de ti, pois te amo, e sabes disso. Tenhas sempre certeza de que és minha amada.” E eu acordava com a sensação do abraço que ele acabara de me dar, e com as palavras fortalecedoras no ouvido. E continuava minha caminhada.
Sou noiva de Poesia. Ele pode ser o pescador, o rei ou o amante; ele pode ser o diretor que me faz ir adiante. Ele pode ser o ânimus da psicologia; pode ser meu sol de noite, minha sombra de dia. Mas fui prometida a ele em pequena, e ele cumpriu a promessa dele, sendo sempre meu guia...
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...pela primeira vez e, de repente,
ResponderExcluiro mundo foi tão grande que não coube
na minha voz e logo emudeci.
Torquato da Luz
Que lindo! um presente para mim...
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