Estava eu parada na plataforma de ônibus em Ribeirão Preto, voltando de minha primeira viagem, após o nascimento de meus filhos, sem eles nem marido. Acabara de sair do Congresso Brasileiro de Escritores que ocorrera ali, e ainda estava sem acreditar em tudo o que havia visto e ouvido, os escritores que havia conhecido, os amigos que tinha feito.
Pensava em qual seria o meu arrependimento se eu tivesse desistido de ir, como quase o fizera, por falta de dinheiro... penhorara umas poucas jóias que tinha, para pagar as despesas do hotel, guardara o dinheiro duro de entrar com os escassos clientes, e como dizem, “joguei para o universo” que eu iria para esse congresso, e seria um divisor de águas em minha vida. E não é que fui mesmo?
Voltando a plataforma, eu estava ainda com um sorriso no rosto, lembrando de tudo o que vivenciara, quando uma senhora miudinha, de óculos de tartaruga, vestidinho azul abaixo dos joelhos, birote prendendo seus cabelos crespos e uma bíblia debaixo do braço me interpelou se eu estava indo para Campinas.
Disse que não, se eu poderia ajudar? Ela queria mesmo é saber das horas, explicou, porque o ônibus dela sairia as duas horas, e ela queria comprar um lanche, pois só estava com o café da manhã, etc. Continuou explicando sobre hipoglicemias e marcapassos, e eu a esperei terminar para lhe dizer que eram só uma e dez. Ela então disse que compraria depois, pois queria comer sentada no ônibus.
Daquele momento em diante, arranjei uma amiga de conversê. Veja bem, eu gosto de conversar, e não é pouco. Tenho certeza que a senhorinha logo percebeu a minha abertura, e como uma boa interiorana, puxou prosa, como dizem. Logo ela já sabia que eu iria para São Paulo, via as fotos de meus filhos, descobria que eu tinha morado em São Carlos...
Aliás, acho que morar no interior foi decisivo para que eu soltasse de vez a minha tramela. Não há lugar em que eu não inicie uma boa conversa. Me parece que a senhorinha também. Contou-me que sempre ia na sede da sua Igreja em São Paulo, que era lotado que era uma beleza...Quando me espantei com o fato dela ser septuagenária e não mostrar a idade que tinha, contou que a mãe dela era” branquinha, de cabelos lisos assim, ó...”, gestualizando o cabelo nos ombros, e que o pai dela era “bem pretinho”, rindo.
Ri com ela, e perguntei se sua mãe fugira com o pai, e ela disse que não sabia da história, mas achava que naquela época já tinha gente sem preconceito. A conversa enredou pela minha família, por irmãos mortos pela doença de Chagas, e assim fomos trocando informações sobre nossas vidas.
Quando fui ver, meu ônibus já encostava na plataforma, e eu disse que tinha que embarcar, que ela não se esquecesse de comprar seu lanche, faltava ainda meia hora para o ônibus dela chegar... e ela toda bonitinha, disse que eu não me preocupasse, que eu era uma jovem muito educada, linda, que prazer em conhecer! Que eu fosse com Deus, ao que respondi “Amém”, pois sem ele eu não vou a lugar algum, nem de dia nem de noite...
Entrei no ônibus com a sensação igual a de minha filha quando voltara da viagem de formatura. Não acreditava que aqueles dias haviam acabado, queria mais, estava em estado de graça! E a conversa com a minha amiga de plataforma encerrara a minha estada em Ribeirão Preto sendo abençoada...
Agora eu penso que a senhorinha era um anjo sem asas, que fora ver como eu estava, se aproveitara a oportunidade que Deus me dera, apesar de todos os sacrifícios. Acho que ela gostou do que viu. Voltei para minha terra com uma brisa em meu coração, e adormeci no ônibus com um sorriso no rosto. Em estado de graça.
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Nossa que história bonita Claúdia!!! Como Deus coloca pessoas abençoadas em nosso caminho, né!!! Ótima leitura para um sábado nublado!!! Muito obrigada pela companhia!!! bjim
ResponderExcluirCamila