sábado, 27 de julho de 2013

DE REPENTE




De repente, algo evoca tua lembrança. Maré mansa, depois tempestade. E meu barco, perdido, sem porto, sem cais. Teus olhos fundos, abissais, me chamando como sereias chamam seus homens para se perderem. E os devoram, afinal, nunca as decifraram...
De repente, algo te traz para perto de mim. Tuas cálidas mãos, há muito perdidas nos escombros das memórias em desuso, tateiam novamente meu rosto, me chamam de bela na linguagem dos cegos. E tu me redesenhas como se eu fosse a Vênus que saiu de novo de uma concha.
De repente, teu hálito vem terminar em meu pescoço. Teus braços me envolvem, enquanto vemos o céu de agosto, negro e cheio de estrelas, e aquela antiga lua, testemunhando nosso desencontro, sempre. E cá me encontro, novamente, sozinha, enquanto tu és semente de memória.
De repente, e isto parece um pesadelo que não finda, escuto tua voz me inquirindo, sinto teus braços me soltando, e meu desenho se apagando. Teus olhos não me afogam mais, não me chamam mais. Eu acordo, e tento dormir novamente, para voltar a sentir olhos, mãos, respiração e abraço, mas sinto que desintegro, me desfaço neste desencontro.

De repente percebo: o teu silêncio é o que ainda me alcança. E nele, abraçada nele, durmo, como se fosse a última peça de roupa com teu cheiro, o teu pedaço que me cabe, a tua indiferença fazendo o sentido que não tem. E nesse dessentido me agarro, pensando que de tanto me amar, silencias, somes, sendo meu nunca e meu eterno não.

domingo, 21 de julho de 2013

VIELA DAS LAVADEIRAS

Viela das lavadeiras.
Onde, as lavadeiras?
Nos umbrais das portas?
Nos tanques, com as trouxas de roupa na cabeça?
Onde o passado,
A não ser nas paredes das casas,
Nas antigas pedras,
Nos gradis trabalhados?
Onde as lavadeiras,
A não ser no nome
Que desprende dom metal,
Falando de um tempo imemorial?
Viela das lavadeiras
Pedaço perdido no tempo

Quase sobrenatural.

terça-feira, 16 de julho de 2013

POESIA COM ASAS


Pássaro.
Poderia voar.
Mas fica.
Poderia pousar em altos lugares.
Mas se aninha em meu ombro.
Espera o calor
Espera a pele
Contra as penas,
Contrassenso:
Sem gaiolas que a prendam,
Presa em seu afeto.

Assim também somos nós.
Livres que somos
Escolhemos gaiolas que nos prendam
De fato e em pensamento.
Nos contentamos com o calor,
O contato,  o afeto
E cortamos nossas asas.
Feliz pássaro,
Que ama e é amado.
Se contenta comigo
E eu com ele
Sem se perceber

Aprisionado...

quarta-feira, 3 de julho de 2013

MULHER RENDEIRA

Rendas, bilros,
Olê, mulher rendeira,
Que trabalha em seu rendar,
Enfeitando as vistas das gentes
Arcoirizando a vida
Em mil tons diferentes,
Olê, mulher rendá.
Pendurados na beira da estrada,
Entre areias e o vazio,
Seco e sol,
Fuxicos, rendas, bordados,
E bordadeiras em suas vidas infelizes
De vender beleza
Por alguns dinheiros.
No alto do morro, avistando o mar,
Toalhas de almoços
Para mesas ricas,
Puro linho, desenhado a mão,
Sutilezas sem preço,
Pedindo satisfação
Por sua exposição.
Suplicam que levem seus dias e noites
Trabalhados sem fim,
Penélopes  por necessidade,
Não por vocação,
Trazendo beleza
Nas delicadas flores,
No intrincado bordado,
No fino linho,
Mas com os olhos perdidos
Na imensidão.
Olê, mulher rendeira,
Olê mulher renda,
Tú me ensina a fazê renda,

E eu te ensino a verseja.

Blog Palavra Prima, é para lá que eu vou

Quem chega aqui deve perceber que as postagens estão cada vez mais escassas. O motivo real é a criação, há mais de dois anos, de outro blog,...