quarta-feira, 25 de julho de 2012

PÁSSAROS SÃO FEITOS PARA VOAR


Meu amigo pássaro voou

Atrás de sua liberdade.

Sem medo, atirou-se ao desconhecido,

Esqueceu o ombro amigo,

Dos nossos laços se desfez.

Fico aqui a pensar:

Terá passarinho, memória?

Sentirá a falta da minha voz,

De dormir em meu ombro,

De me seguir pela casa?

Meu passarinho com modos

De pássaro francês,

Que vinha na mesa e comia meu pão,

Junto comigo, da minha mão;

Que esperava eu preparar o café, para bebericar da colher...

Me bicava irritado,

Quando eu estava ao telefone...

Cantava ao meu ouvido,

Como um apaixonado,

E era muito asseado:

Tomava banho na torneira da pia,

Fosse dia da semana ou feriado...

Alterei sua natureza,

Tendo-o livre apenas em minha casa.

Ele reivindicou-a de volta,

Num simples bater de asas,

Junto com sua nova companheira.

Dei-lhe amor e a liberdade que podia,

Ele aprendeu a lição

E foi buscar o que queria...

No meu sonho ele voou tantas vezes

E voltou,

Mas o sonho não foi ele quem sonhou...

Eu o chamava de minha alma de penas,

E acho que era mesmo,

Ensinou-me mais uma vez

Em sua última lição

A respeitar minha natureza

E me entregar a amplidão...

25/ 07/2012

domingo, 22 de julho de 2012

AMOR DE INVERNO


                O sol quente invade o quarto, pela veneziana entreaberta da janela azul. A sensação de calor nos pés a faz abrir os olhos. O feixe de luz a cega, e a faz ver pontos azuis bailando em frente aos seus olhos. Olha para o lado, e não vê ninguém. Ouve um barulho vindo da cozinha. O armário sendo aberto, panelas se batendo... então é lá que ele está...

         Levanta-se e veste-se com a camiseta dele, enorme para ela. Passa a camiseta pela cabeça, e para um segundo, inebriada com o perfume dele. Cheiro bom... hum... vai até o banheiro, passa uma água nos cabelos extremamente curtos, para que tomem uma forma mais agradável. Seus olhos esverdeados brilham, sua face está rosada. Exibe um sorriso para o espelho, aprovando a própria figura.

         Logo está na cozinha e o vê preparando o café, torrando os pães amanhecidos... achou um mamão, e o cortou em duas bandas. Serviço de hotel, pensa ela, chegando por trás dele, o enlaçando e beijando seu  ombro. Ele vira para ela, e pede ajuda, não sabe onde fica nada. Percebe que ela está com sua camiseta, ri do fato e a puxa para si.

         Ela o olha, ele a olha, e não dizem nada. De repente, uma mudez os toma, um carinho que preenche todo o peito, e os faz ficarem assim, afogados nos olhos um do outro. A água na chaleira ferve, sem chamar a atenção dos dois amantes. O tempo parece correr em câmera lenta, em atenção aos dois. O instante é quebrado, “o café!”, lembra ele, e ela busca o pó, coador, bule. Continuam a quatro mãos, buscando não perder a cumplicidade,  o sentimento guardado nas entranhas, o arrepio nas mãos se tocando.

         Café passado, pão aquecido com a margarina derretendo em cima, os dois se voltam para a mesa posta, e fazem a refeição entre conversas simples, parando de quando em vez para um afago, um beijo. Apaixonados.

         E de onde esta paixão? Dois solitários, de meia idade, perdidos numa praia em pleno inverno. Ela andava pela praia, na areia dura que a maré baixa deixara, um casaco a agasalhar, pensando na má idéia desta viagem solitária para passar frio no litoral. Ele vinha na direção contrária, pés no chão, não parecendo importar-se com o frio, não fora o moletom surrado que vestia. Cruzaram-se e ele a cumprimentou, com um ligeiro sorriso. Ela sorriu, lisonjeada. Sem pensar, passou as mãos para ajeitar os cabelos. Cruzaram-se de novo na volta, e ele sorriu novamente para ela.

         No dia seguinte, mesmo com vento, ela foi a praia. Novamente o encontrou. Ou melhor dizendo, ele a encontrou, pois veio atrás dela, caminhando apressado, e começou a caminhar a seu lado. Ela o olhou, e ele perguntou se incomodava. Não, estava sozinha, seria bom caminhar com alguém, disse. Se apresentaram. Dois solitários, buscando algum tipo de férias dos respectivos empregos. Terminada a caminhada no frio cortante que vinha do mar, ele a chamou para almoçar num restaurante caiçara, simples, prato feito, segundo ele, mas comida feita na hora todo dia. Ela estava quase dando uma desculpa, mas ele insistiu. Estavam os dois sozinhos, e a não ser que ele fosse muito antipático ou inconveniente, ela poderia ir almoçar com ele. Ela riu, disse que ele não era nem uma coisa nem outra. Somente a falta de costume de ter companhia...

         Comeram aquele almoço “honesto”, como ele definiu, trocando informações entre si; dividiram uma cerveja, brindaram ao fato de terem se encontrado, naquela praia gelada e vazia. Esfriava mais, e ele perguntou onde ela estava hospedada, ele a levaria até lá, assim conversariam mais um pouco no caminho. Ela disse que estava na casa de uma amiga, que sempre emprestava para ela nestes períodos de baixa temporada. Ele disse que estava numa pousada ali perto, aproveitando um período de descanso merecido. Não tinham pressa de se ir; ficaram papeando.

         Ele a levou até a casa, como prometido; ventava, e ele a abraçou. Ela gostou e deixou; o caminho ficou mais longo, pois os dois se encontraram no calor um do outro. Vividos, deixaram a sensação boa se prolongar. No portão de ferro enferrujado, ela perguntou se no dia seguinte ele iria andar na praia. Ele respondeu afirmativamente, e perguntou se não poderia chamá-la no dia seguinte. Tomariam café no boteco, que tal? Ela aceitou, rindo, afirmando que seria uma aventura...

         Ela entrou na casa e foi direto para um banho, se aquecer. Enquanto se despia, olhou-se no espelho: até que não estava mal para uma mulher de cinquenta...a menopausa a deixara mais cheinha, mas sua pele continuava firme. Sua face redonda e rosada, seus dentes pequenos, lhe davam uns anos a menos. Olhou-se no espelho e pensou se ele a acharia bonita. Mas que besteira, repreendeu-se, sozinha, rindo. Nem o conhecia...mas o cheiro do perfume dele veio na memória, e ela sorriu sem perceber.

         Enquanto isso ele voltava para seu quarto na pousada, mãos no bolso, cantarolando alguma canção perdida na memória. Mulher agradável, encantadora, engraçada... a quanto tempo não se sentia assim, desde que a esposa falecera? Cinco anos? Ou mais? Acostumara a viver sozinho; a esposa passara por um longo período de doença, e os dois souberam quando ela estava indo; prometeram que não falariam sobre a doença, aproveitariam o tempo que lhes restava; ele dormia com medo de acordar e ela não. Um dia ela disse que queria ir ao hospital, e ele já sabia o desfecho; ela também. Ficou com ela nos dias em que se seguiram, dopada pela morfina para a dor. Ele a acompanhou até o último momento. Quando ela se fora, passou por todos os períodos, de luto, de revolta, de resignação, e após tudo isto, decidiu que poderia viver. O trabalho o ocupava; não tiveram filhos, e podia viajar quando quisesse. Mas normalmente não queria. E agora, nestas férias praticamente obrigatórias, para não ferir a legislação e não complicar a empresa, encontra esta mulher...

         No dia seguinte ele foi buscá-la como combinado; ela o esperava ansiosa, e só veio a perceber quando a campainha tocou. O dia estava frio e ensolarado; ventava pouco, e ele explicou que a lua mudara, ela não sabia? Não, ela não sabia. Tomaram café no boteco, desceram para a praia, caminhando lado a lado. Uma onda veio com vontade na direção dos dois, e ele a puxou pela mão, para a areia fofa, longe das ondas. A maré estava mais alta, era a lua... ele não lhe soltou a mão, e continuaram a caminhar assim, numa renovada adolescência, os hormônios a toda,  o coração de ambos acelerado...mas sem os pudores da adolescência, sorriram um para o outro, ele a puxou para si, e caminharam abraçados, cônscios do que ocorria com os dois.

         Passaram o dia juntos, ele lhe falou da esposa falecida; ela lhe falou do trabalho como artista, que lhe pedira liberdade a vida toda. Almoçaram no mesmo lugar do dia anterior; a proprietária do restaurantezinho olhou para os dois, deu um sorriso cúmplice para eles, e os deixou conversarem, percebendo com aquela sabedoria de quem já viveu muito, o momento deles.

         Quando ele foi levá-la até a casa, ela perguntou se ele não queria jantar com ela, na casa. Ele disse que sim, se pudesse cozinhar, pois tinha prática... entraram juntos, e ela foi resgatar na geladeira o que poderia virar uma janta; já estava se arrependendo, será que o que tinha comprado para si daria para os dois jantarem? Ele chegou por trás dela, e olhou por cima de seu ombro para o interior da geladeira. Ela riu, e ele perguntou o que havia ali de comestível. Ela fez o inventário do que havia, e ele foi pedindo o que precisava.

         Com alguma criatividade chegaram a um macarrão com molho branco, com queijo e peito de peru, que antes estavam destinados  ao café da manhã, e uma salada. Ela sempre trazia um vinho branco e deixava para gelar, então tinham vinho. Ela não entendia de vinhos, só sabia que gostava do branco,e disse isso a ele. Ele riu, também não era a especialidade dele...

         Jantaram, o rádio ligado baixinho. O vinho os fez mais soltos, a conversa corria gostosa, e já sentados no sofá, com seus copos descansando na mesinha a frente, pararam de repente de conversar, e ficaram se olhando. Ela sorriu e ele a beijou, mexendo em seus cabelos amorosamente, e dizendo em seguida que a vida era curta demais, boa demais para se desperdiçar um momento especial como aquele. Ela assentiu com a cabeça, e, se alguém os olhasse naquele momento, diria que haviam rejuvenescido...

         Passaram a noite juntos, dois novos amantes se descobrindo e se completando no milagre da entrega, como ocorre desde que o mundo é mundo... dormiram abraçados, cansados, felizes. Ele acordou antes, foi para a cozinha tentar lhe fazer uma surpresa. Ela acordara com o sol lhe esquentando os pés...

         E lá estavam eles, dois seres de meia idade, sentindo-se como jovens, apaixonados. Acordo tácito entre os dois, a vida era curta, e devia ser apreciada em momentos especiais, como aquele...o amor subiu a serra, provavelmente por não ser um amor de verão, mas de inverno, que é a estação da madureza, das certezas, das estradas caminhadas, das lições aprendidas. Se foram felizes para sempre, esta história não nos conta, mas com certeza seguiram os preceitos do poetinha Vinícius de Moraes: “que seja eterno enquanto dure”.


quarta-feira, 18 de julho de 2012

E SE FOSSE VERDADE?


E se tudo o que sinto fosse verdade?

Se todos os poemas de amor fossem meus,

As cantigas mais belas,

As frases veladas?

E se até as folhas, caídas na calçada,

Fossem para me deixar passar

Sem pisar na poeira dos homens?

E se tudo fosse verdade?

Se eu pudesse estar em mil lugares,

No sorriso, no olhar, e no abraço,

No acarinhar teu traço,

Na languidez do corpo sugerida,

Na palavra que me remete a vida?

E se tudo fosse verdade?

Ah, se fosse, te diria,

Que um dia seria mais que um dia,

E a noite, com mil luas estranhadas

Nos veriam a passear  de braços dados

Por sobre as águas, ou por sob os lagos,

Porque todas as possibilidades existiram

Em paralelos universos...

E neles não há distância, nem aldravas,

Não há momento certo,

Há só o acontecimento de sentir,

E agir a contento.

E se tudo, tudo,

Fosse verdade?

terça-feira, 17 de julho de 2012

PERDÃO

Acordei de um sonho, com os versos na cabeça...para quem servirão estes versos? que façam o melhor proveito possível!




Se tens amigo e o amas, perdoa,

Não exijas reparação;

Às vezes a alma fala à toa,

Causando consternação.



Se tu magoaste, ainda que doa

Ao teu orgulho, a constatação,

Te vistas em humildade,

Resgata a amizade,

Amigo que ama pede perdão.



Daquilo que se fala ou escreve,

Fujo das que magoam;

Prezo, da amizade, a história que teve,

Eu me desculpo, eu te perdôo.

domingo, 15 de julho de 2012

FRUTOS DE NOVEMBRO

Minha amiga e escritora Eliane Ratier faz um poema para cada mês vivido, e posta em seu blog. Em novembro de 2011, mês em que fui a Ribeirão Preto para o Congresso Brasileiro de Escritores, ela postou um poema que me tocou, e resgato aqui a resposta que enviei a ela, pois tudo o que venho colhendo é fruto deste momento abençoado...


Eu li ontem teu poema sobre Novembro.

E para mim, Novembro foi a virada

foi o momento em que eu decidi minha transformação.

transformei meu fardo de pedras

em travesseiro de sonhos.

transformei a minha solidão de palavras

em amizades novas e frescas,

de letras compartilhadas.

amizades de palavras e de almas,

que esperavam ser reencontradas.

novembro...

foi o mês do desapego.

penhorei o ouro do homem

para ganhar o meu ouro particular.

saí de onde eu preciso estar

para onde eu realmente queria ficar.

e hoje, mesmo com o novembro findo

continuo com ele a sonhar.

pois que a sensação de bem aventurança,

trabalho feito em meio a um sonho,

agora há de perdurar.

Novembro

foi o novo que veio

me procurar...



quinta-feira, 12 de julho de 2012

O QUE TENHO A OFERTAR


Eu tenho somente o sorriso para ofertar.

Este que vai na brisa, chega em qualquer porto,

Não importa quão distante seja o lugar.

Eu? Tenho só o sorriso para ofertar.

Não me sobra mais nada,

O resto é meu,

E cansei de me dar inteira,

Ser varrida e me ver perdida,

Em tanta terra estrangeira.

Seria de um abraço, se este me bastasse,

Para me tirar o frio que me preenche os ossos,

Seria de um abraço

Se este me desse as certezas

Que me faltam tanto.

Hoje é um dia esquisito,

Pois está triste, e deveria ser bonito...

E cá estou eu, cercada de gente

E tão só.

Precisando de um abraço

E ofertando um sorriso,

Acho que se morro hoje,

Não chego ao paraíso...


quarta-feira, 11 de julho de 2012

SILENTE







            Há dias, assim, que o sol bate na nossa janela, mas o coração insiste em fugir para a sombra. É a necessidade do silêncio, do sumir, do sentir-se. É quando a alma canta baixinho, acalanto só dela, e nos puxa para dentro de nós mesmos, igual sereia que puxa o pescador para as profundas do mar.

            Nesses dias em que parece que a coragem nos falta, que todas as conquistas foram nada, uma criança amedrontada e chorosa fica me olhando, semi escondida no batente da minha porta, inquisidora. Olho seu cabelo preto, liso, seus olhos com lágrimas pendentes, e de repente, sei que a criança sou eu. Trato logo de crescer, me recompor, passo a mão nos olhos, limpo no meu vestido velho, e vou buscar aonde foi parar minha compostura. Fungo o nariz, abraço meu boneco velho, e continuo ali, pequena. Ai, meu deus, o que aconteceu comigo?

            Esqueci da idade que tinha, de tudo o que anseio, eu quero é minha  mãe, eu quero colo, sono que me toma, cantiga de ninar, vou fechando os olhos... mas minha alma me chama: Ana!, me chama, e eu tenho que acordar. Olho a menina deitada, pequena, indefesa, e a tomo no colo. Vou te ninar... ela se aconchega em mim, e sinto que ela precisa deste colo, deste carinho, sentir-se segura...

            São dias de sol, com coração apertado, em que eu esqueço quem sou, me perco em inseguranças, me vejo a mercê da vida, e não no controle dela... me sinto mal compreendida, mal amada, diacho! Parece que há outra pessoa em mim... e uma lassidão me toma, e eu quero fugir dela. Não tenho força nem para oração, não quero levantar...

            E aí minha alma me chama. Como ela canta bonito... vêm de manso, sereia com seu canto, Iamanjá do meu mar, Iara de minhas lendas infantis, e me puxa pela mão. Me dá de beber, conta histórias sem era uma vez e sem final feliz, mas que falam do que eu fiz, do que eu sonhei, e do que eu consegui. Me amansa o coração, me diz como eu sou bonita, me convence que eu sou capaz de continuar, que isto é só um cansaço... ela me põe no colo, me abraça, e eu, sentindo o conforto de seu calor, adormeço, com meu velho boneco nos braços...

            Aonde termina a menina, aonde começa a mulher, quando a alma sou eu, ou quando ela me acolhe, não sei. Tudo o que sei é que o sono me traz os sonhos de volta, e desperto colocando o sol no lugar certo. Grande sol amarelo, com seus raios riscados de giz de cera, iluminando o desenho novo que fiz.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

DOIS CÉUS

Dois céus, um acima ,natural
outro espelho, abissal
 Em qual céu quis Ismália voar?
 em qual céu foi ela deitar?
 Eu pairaria no meio
 numa rede de nuvens
 que me servissem de esteio...



Paranapanema ao entardecer, de Luis Avelima.
Olhei a foto, me veio o poema, e os dois vieram parar aqui no blog...

domingo, 1 de julho de 2012

A MOÇA E O GATO

 
Recebi de minha amiga Sol Vieira...
 
A moça acaricia o gato e me olha fixamente,
o que será que ela quer,
com esse olhar envolvente?
Quando estou no seu blog,
sinto o olhar dela
... a ultrapassar a tela
até tirar minha atenção do texto
e aí eu me volto a olhar a moça
que acaricia o gato
sem ter explicação,
chego a conclusão
que não deve ser apenas uma pintura,
mais parece uma criatura,
que está ali, viva e vigilante
selecionando os navegantes.

Blog Palavra Prima, é para lá que eu vou

Quem chega aqui deve perceber que as postagens estão cada vez mais escassas. O motivo real é a criação, há mais de dois anos, de outro blog,...