quarta-feira, 11 de julho de 2012

SILENTE







            Há dias, assim, que o sol bate na nossa janela, mas o coração insiste em fugir para a sombra. É a necessidade do silêncio, do sumir, do sentir-se. É quando a alma canta baixinho, acalanto só dela, e nos puxa para dentro de nós mesmos, igual sereia que puxa o pescador para as profundas do mar.

            Nesses dias em que parece que a coragem nos falta, que todas as conquistas foram nada, uma criança amedrontada e chorosa fica me olhando, semi escondida no batente da minha porta, inquisidora. Olho seu cabelo preto, liso, seus olhos com lágrimas pendentes, e de repente, sei que a criança sou eu. Trato logo de crescer, me recompor, passo a mão nos olhos, limpo no meu vestido velho, e vou buscar aonde foi parar minha compostura. Fungo o nariz, abraço meu boneco velho, e continuo ali, pequena. Ai, meu deus, o que aconteceu comigo?

            Esqueci da idade que tinha, de tudo o que anseio, eu quero é minha  mãe, eu quero colo, sono que me toma, cantiga de ninar, vou fechando os olhos... mas minha alma me chama: Ana!, me chama, e eu tenho que acordar. Olho a menina deitada, pequena, indefesa, e a tomo no colo. Vou te ninar... ela se aconchega em mim, e sinto que ela precisa deste colo, deste carinho, sentir-se segura...

            São dias de sol, com coração apertado, em que eu esqueço quem sou, me perco em inseguranças, me vejo a mercê da vida, e não no controle dela... me sinto mal compreendida, mal amada, diacho! Parece que há outra pessoa em mim... e uma lassidão me toma, e eu quero fugir dela. Não tenho força nem para oração, não quero levantar...

            E aí minha alma me chama. Como ela canta bonito... vêm de manso, sereia com seu canto, Iamanjá do meu mar, Iara de minhas lendas infantis, e me puxa pela mão. Me dá de beber, conta histórias sem era uma vez e sem final feliz, mas que falam do que eu fiz, do que eu sonhei, e do que eu consegui. Me amansa o coração, me diz como eu sou bonita, me convence que eu sou capaz de continuar, que isto é só um cansaço... ela me põe no colo, me abraça, e eu, sentindo o conforto de seu calor, adormeço, com meu velho boneco nos braços...

            Aonde termina a menina, aonde começa a mulher, quando a alma sou eu, ou quando ela me acolhe, não sei. Tudo o que sei é que o sono me traz os sonhos de volta, e desperto colocando o sol no lugar certo. Grande sol amarelo, com seus raios riscados de giz de cera, iluminando o desenho novo que fiz.

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