Há dias, assim, que o sol bate na
nossa janela, mas o coração insiste em fugir para a sombra. É a necessidade do
silêncio, do sumir, do sentir-se. É quando a alma canta baixinho, acalanto só
dela, e nos puxa para dentro de nós mesmos, igual sereia que puxa o pescador
para as profundas do mar.
Nesses dias em que parece que a
coragem nos falta, que todas as conquistas foram nada, uma criança amedrontada
e chorosa fica me olhando, semi escondida no batente da minha porta,
inquisidora. Olho seu cabelo preto, liso, seus olhos com lágrimas pendentes, e
de repente, sei que a criança sou eu. Trato logo de crescer, me recompor, passo
a mão nos olhos, limpo no meu vestido velho, e vou buscar aonde foi parar minha
compostura. Fungo o nariz, abraço meu boneco velho, e continuo ali, pequena. Ai,
meu deus, o que aconteceu comigo?
Esqueci da idade que tinha, de tudo
o que anseio, eu quero é minha mãe, eu
quero colo, sono que me toma, cantiga de ninar, vou fechando os olhos... mas
minha alma me chama: Ana!, me chama, e eu tenho que acordar. Olho a menina
deitada, pequena, indefesa, e a tomo no colo. Vou te ninar... ela se aconchega
em mim, e sinto que ela precisa deste colo, deste carinho, sentir-se segura...
São dias de sol, com coração
apertado, em que eu esqueço quem sou, me perco em inseguranças, me vejo a mercê
da vida, e não no controle dela... me sinto mal compreendida, mal amada,
diacho! Parece que há outra pessoa em mim... e uma lassidão me toma, e eu quero
fugir dela. Não tenho força nem para oração, não quero levantar...
E aí minha alma me chama. Como ela
canta bonito... vêm de manso, sereia com seu canto, Iamanjá do meu mar, Iara de
minhas lendas infantis, e me puxa pela mão. Me dá de beber, conta histórias sem
era uma vez e sem final feliz, mas que falam do que eu fiz, do que eu sonhei, e
do que eu consegui. Me amansa o coração, me diz como eu sou bonita, me convence
que eu sou capaz de continuar, que isto é só um cansaço... ela me põe no colo,
me abraça, e eu, sentindo o conforto de seu calor, adormeço, com meu velho
boneco nos braços...
Aonde termina a menina, aonde começa
a mulher, quando a alma sou eu, ou quando ela me acolhe, não sei. Tudo o que
sei é que o sono me traz os sonhos de volta, e desperto colocando o sol no
lugar certo. Grande sol amarelo, com seus raios riscados de giz de cera,
iluminando o desenho novo que fiz.
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