quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

UM ALMOÇO COM TERESA


Hora do almoço. Teresa entrou no restaurante simples, comida por quilo, postou-se na fila com a bandeja e o prato na mão, esperando a sua vez de servir-se. Logo atrás dela uma moça miúda, morena, posicionou-se olhando impaciente para a fila. Teresa lhe dirigiu um sorriso e a moça comentou:
- como está cheio hoje, não acha?
- está, mas não me incomodo – respondeu Teresa, já se servindo das saladas – gosto de ver gente – sorriu.
A moça balançou a cabeça, colocou duas fatias de tomate no prato e disse:
- eu não me acostumo, vim do interior, sabe?
- ah, isto explica bastante – comentou Teresa –quer sentar comigo? Aqui não tem muitas mesas, e estou só. E me chamo Teresa.
- ah, então aceito. E me chamo Marta,  muito prazer.
Pesaram os pratos e foram se sentar. Marta contou que vinha de uma pequena cidade, o ritmo era outro, muito mais lento.
- parece que não consigo me adaptar a esta cidade. Deste jeito eu vou ter que voltar para minha terra... – arqueou os ombros para frente, enquanto olhava para o prato.
- tudo é questão de ser flexível, você sabia?
- como assim?
- por exemplo. Eu peguei um monte de salada e você só dois tomates, não foi?
- sim. E daí?
- há uns dois anos eu só pegava tomates, como você. Aí li que tínhamos que fazer pratos coloridos, para conter todas as vitaminas. Comecei a experimentar o agrião, depois outro dia a beterraba, um brócolis... o paladar acostumou, olhe a diferença! – e apontou para o prato, sorrindo.
- ah, mas a vida não é um prato...
- mas pode ser, se você quiser. – e deu uma piscadinha.
Marta remexeu-se na cadeira, olhou para Teresa intrigada:
- ok. Então me explique.
- por exemplo, hoje você está sentando comigo. Imagine que eu sou um brócolis... não ria. Você está experimentando algo novo no “seu prato”.
Marta riu junto com Teresa.
- ah, mas com você está sendo fácil, caro brócolis! Como fazer com o resto, que acho estranho?
- eu tenh
o uma teoria: todos temos limites a vencer. Primeiro temos que reconhecê-los, e depois atacá-los um a um.
- hum... e como se faz isto, me explica! – Marta inclinava-se, começando a interessar-se.
- bem – começou Teresa – vamos a outro exemplo gastronômico. Eu não conseguia comer nada com coentro. Sempre dizia que era forte, que o sabor tomava toda a comida, enfim. Tinha um preconceito gastronômico contra o pobre coentro...
- tá, e... – Marta grafava a comida, prestando atenção em Teresa.
- um dia fui comer com uma amiga num restaurante baiano. Escolhi um peixe com leite de coco, delicioso, de lamber os beiços. Quando o garçom veio recolher os pratos, eu elogiei o peixe, e falei que queria saber o que tinha dentro, para ficar tão bom. Ele educadamente me descreveu o prato, e disse que o segredo era o coentro!
- uai, então você gostava de coentro!
- sim! Eu só achava que não. E hoje não recuso nada com o tempero, e tenho experiências culinárias incríveis!
- hum... então você acha que eu deveria experimentar tudo o que acho estranho e diferente?
- não é bem isso. Há coisas que não precisa experimentar, pois não te farão diferença alguma na vida. Eu por exemplo, não como quiabo e não vou morrer por isto...
- então – concluiu Marta – devo perceber o que me incomoda mas é importante para eu me adaptar à esta cidade e experimentar, é isto?
- isto mesmo! A gente é que se limita, e a gente também é que tira estes limites de nossas vidas.  – Teresa olhou o relógio – e agora, uma limitação imposta. Horário de ir embora, tenho que trabalhar!
- ah, Teresa, obrigada pela conversa! Nunca mais vou esquecer da história do coentro...  – riu.
- Que bom. Sorte para você nesta cidade que vai desbravar a partir de agora!

Teresa saiu em direção ao caixa, deixando a moça a digerir suas palavras.

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