terça-feira, 8 de dezembro de 2015

TERESA NO MERCADO

O mercado estava lotado. Dia de promoção. Teresa escolhia com atenção cada fruta, legume ou verdura. Tempo de chuva, os produtos estavam um pouco mais judiados e ela escolhia com atenção. Não deixou, porém, de reparar num senhor que a vinha acompanhando a cada gôndola. Em cada uma que parava, reclamava da má qualidade do tomate, da feiúra daquela alface ali, ou que as maçãs não estavam tão grandes. Sempre conseguia alguém para engrossar o coro de reclamações, e Teresa percebia suas expressões quase sorridentes ao conseguir dar continuidade às suas lamúrias com outro ouvinte.
Agora não era diferente. Por que, naquele mercado tão grande, o senhorzinho teimava em fazer o mesmo roteiro que ela? acabara de se afastar de onde estava o homem, sentindo a atmosfera pesada que se instalava entre ele e a outra senhora que reclamavam. Foi buscar as bananas e para sua surpresa, quando virou-se para coloca-las no carrinho, lá estava ele. Começando a reclamar também das bananas. Só que agora não havia mais ninguém, e ele reclamava encarando-a, solicitando o diálogo deletério.
- e então, a senhora não acha que estas bananas estão feias? Só porque é dia de oferta, eles escolhem os cachos mais pintados, com alguma banana amassada para pendurar. Já percebeu? – ele a encarava exigindo resposta.
Teresa respirou fundo – aquele era um de seus dias de silêncio – e olhou para o homem. O rosto enrugado, com sulcos pronunciados ao redor da boca e um enorme entre as sombrancelhas; as faces extremamente rosadas, a mãozinha se agitando para cima e para baixo. Colérico, pensou.
- o que foi que disse, senhor? – Teresa ganhava tempo.
- estou falando da qualidade das bananas, ora. A senhora não reparou?
- hum... peguei um belo cacho aqui, quer que eu escolha um para o senhor? – sorriu, dirigindo-se para o expositor com todos os cachos pendurados, tentando mudar o rumo da conversa.
- não, não! Eu sei escolher, ora essa! Então a senhora acha que está tudo bom, não é? A banana feia, a maçã pequena logo ali, o pé de alface desmilinguido... é por causa de gente como a senhora que o país não vai para frente.
Teresa olhou o homem, espantada com o comentário dele. Seu período de silêncio acabava de ser violado. Aquele homenzinho precisava ser posto no lugar.
- não estou entendendo a sua agressividade, meu senhor. Eu só estava querendo ajudar. E não entendo onde é que eu estou prejudicando os outros e até meu país com minha atitude. Mas agora eu quero que o senhor me explique.  – Teresa o encarou firmemente, e cruzou os braços.
O homem pigarreou e empertigou-se.  Piscou os olhos rapidamente, e parecia não saber o que dizer.
- pois então – recomeçou Teresa – vejo que o senhor estava me observando, não é, enquanto eu fazia minhas compras. Devo tê-lo incomodado muito e quero saber porquê.
- bem, a senhora tem uma atitude muito... muito...conformada! parece que não está vivendo neste planeta. Escolhendo no meio daquelas porcarias com este seu sorrisinho alienado no rosto. Eu já vi a senhora várias vezes aqui no mercado...
- ah, então realmente o senhor me observa, não é? Pois então, eu também o observei hoje. Sabe quando foi que o senhor elogiou algo aqui? Nenhuma vez. O senhor foi me seguindo em todas as gôndolas, e reclamou de tudo em que pôs os olhos.
O velho se mexeu, desconfortável.
- eu não reclamo do que está exposto porque, ao contrário do que o senhor pensa de mim, eu tenho consciência que em tempos de chuva os vegetais nem sempre estarão bonitos. Eles não nasceram aqui no mercado. Eu sorrio porque estou numa terra com tanta fartura que ainda assim tenho o que escolher, e tenho o que levar para casa para comer.
- está vendo? Uma conformista.
- o senhor pode pensar e me rotular como quiser, o problema é seu. Mas eu também não pude deixar de notar que o senhor reclamou de tudo, com todos que te deram oportunidade. Isto é pior do que ser conformista, o senhor sabia? Cada vez que reclama, o senhor está reforçando a situação ruim. Eu agradeço ao que encontro bom, porque quero que esta situação se repita e aumente.
- não estou entendendo. O que tem demais eu comentar?
- tudo o que falamos vibra, senhor. Cada vez que puxa conversa para reclamar com outra pessoa, o ar fica pesado à sua volta. A vida só vai lhe dar coisas ruins, porque o senhor fica procurando por elas!
- não é assim, olhe aqui, estas bananas! – e apontou para um cacho um tanto batido.
- é assim, sim, olhe estas aqui... – e Teresa mostrou vários cachos perfeitos, logo ao lado.
- eu não tinha visto... eu...
- o senhor só viu aquilo que quis ver. A questão não é só as bananas, ou as maçãs, ou o alface. Quando foi a última vez que agradeceu por algo?
O homem desviou os olhos para cima, procurando alguma lembrança. Continuou em silêncio. Teresa voltou a falar:
- pois então, faça um favor a si mesmo, aos que o cercam e ao país. Pare de reclamar e comece a agradecer. Agradeça o que tem em cada gôndola, que não foi destruído pela chuva, e que brotou porque não houve seca; agradeça a água na torneira. Agradeça porque ainda está numa democracia, e não numa ditadura. E da próxima vez que eu vir o senhor por aqui, quero ouvir um elogio, entendido?
- sim, a senhora me desculpe, eu nunca havia pensado nisto assim... – ele estava constrangido.

- é eu percebi. E agora, quer que eu escolha o seu cacho de banana? – Teresa sorriu para o homem, e deu-lhe uma piscadinha de olhos. Agora podia voltar para seu silêncio.

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