Teresa chamava sua velha amiga, que permanecia de olhos
fechados, recostada no travesseiro imaculadamente branco. Sua saúde agora
frágil contrastava com a mulher dinâmica que sempre fora.
- Déia, por favor, me responda, vá...
Déia meneou a cabeça, e resmungou um não. A filha entrou no
quarto, deixou um copo de água para Teresa e disse:
- ela está assim há três dias; não consegue dormir de noite,
me chama todo o tempo, com medo de dormir, e de dia fica sonolenta, como você
vê.
- pode deixar, Bia, vou conversar com ela agora...
Teresa encosta a porta do quarto quando Bia sai, senta-se
novamente ao lado de Deia e segura-lhe a mão branca e cheia de manchas senis.
Deia abre um pouco os olhos, vira a cabeça para Teresa e fala:
- Teresa, não consigo dormir... me deixa dormir agora...
- agora eu vim cuidar de você, Deia, mas quero entender
porque você está com medo de dormir... pode me contar?
- não sei, Teresa. Quando estou quase dormindo, começo a me
agitar... vou te confessar: tenho medo de passar mal dormindo...
- sim, e se passar mal dormindo o que pode acontecer?
- não sei, Teresa... e se não conseguir chamar a Bia, o que
faço?
- você está desconversando, Deia. – Teresa olhou-a e
perguntou de novo: - se passar mal domindo o que pode acontecer?
- eu não sei...
-não sabe ou não quer dizer?
- não quero dizer, Teresa... você sabe, não sabe?
Teresa olhou-a e deu um suspiro. Lembrou daquela mulher
guerreira, que desde a mocidade trabalhava num centro espírita, ajudara tanta
gente, criara uma filha exemplar e afável dentro de sua crença, e agora estava
com medo do confronto final.
- Deia, você está com medo de não acordar, se passar mal de
noite?
- é acho que é isto...
- e como isto se chama, Deia? – Teresa deu-lhe um sorriso
irônico, que Deia já conhecia bem.
- afe, como você é chata, Teresa! – Deia falou baixinho -
Isto se chama morrer...
Teresa apertou a mão da amiga e disse:
- exato, isto se chama morrer.
- que vergonha, Teresa! Eu estou com medo de morrer!
- tenho que concordar com você, Deia! – Teresa deu-lhe
novamente o sorriso irônico – você vai mesmo ‘amarelar’ no final do jogo? E
tudo o que você viveu, seus anos trabalhando no centro espírita... pensei que você acreditasse em vida após a
morte, e não que fosse viver eternamente!
Deia começou a rir. Teresa a acompanhou, e se abraçaram.
-ah, garota, você tem um modo de fazer a gente enxergar as
coisas... e morrer de vergonha! Que horror!
Ainda rindo, Teresa respondeu:
- Minha amiga, não posso deixar de ser sincera com você.
Tenho muito orgulho de ser sua amiga, e mais ainda por saber que você é humana,
e tem medos, como todos nós. E que é corajosa, e sabe admití-los. Diga para
mim, o que você acredita, de todo o coração, que é a morte.
- para mim, por tudo o que vivenciei e estudei, a morte não
é mais do que uma transição deste corpo físico para meu corpo espiritual.
-e você acha que isto será ruim, Deia?
-absolutamente! Este corpo está velho, cansado, doente. Meu
espírito não tem estas limitações, eu poderei esta onde e com quem eu quiser
com a velocidade de meu pensamento... – Deia respondeu entusiasmada, olhando
para o alto.
- então, minha amiga, do que você estava com medo mesmo?
Deia pegou as mãos de Teresa, apertou-as e disse:
- minha jovem amiga, eu estava sendo ridícula. Obrigada por
vir me ajudar!
- Deia, a verdade já estava com você. Eu só tive que te
lembrar. Te admiro, viu?
As duas se abraçaram.
Bia ligou para Teresa dois dias depois. Era uma linda manhã
de sexta feira. Deia havia morrido, dormindo. E sorrindo.
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