quinta-feira, 2 de julho de 2015

PROIBIDO

Diminuta, sou só  meu ventre, apertado, contraído, na expectativa de ser mais. A paixão sem dono ainda assim me faz sonhar, como se meu corpo fosse jovem, e meus sonhos, possíveis.
Instauro o reinado de minha alma, a buscar a tua, perdida, escondida, amuada embaixo da antiga goiabeira. Ficaste ali, irritadiço, ante a inevitável separação  de nossos lábios ao soarem passos de meu pai no antigo quintal.
Pois agora, escuta! Sorri... dar-te-ei o beijo que ansiavas. Meu pai é morto, as traças já corroeram as cambraias do vestido de menina, o relógio antigo nem bate mais.
Escuta, menino, negro como o carvão, sorriso alvo de aurora. Estiveste comigo durante tantos anos, tua proibida beleza me amolecendo as pernas, a espera de teu calor me aquecendo nas noites frias e sem amor.
São mortos todos os que nos diziam proibições. Suas memórias também estão assim, mortas. As ruins, querentes de sobreviver, queimei junto com papéis que amarelavam no sótão.
Vivos estão nossos momentos. Os banhos de rio, onde minha branquidão de fantasma-menina feriam tuas retinas, e tua pele negra me chamava para a vida.
Ainda sinto: relva, chão, corpos, tu e eu, proibidos para aquela gente que desconhecia amor. Ainda sofro: tú com tuas malas, eu para o sanatório, frio, castigo para quem queria ser o que queria ser.
Os gritos de que eu havia manchado minha honra já vão longe. Antes tivesse me manchado de tua cor, me confundido em tua pele, e partido contigo. Mas minha vida não me pertencia. Eu era, como tu, propriedade, pau mandado. Eu, branca lua, tu, sorriso de sol.

Expandida ante estas memórias, sinto que ainda te tenho... menino da goiabeira, moço do rio, corpo de calor, sorriso alvo, meu beijo perdido, meu eterno amigo, garoto crescido, fruto proibido, meu amor...
Foto: Dani Hiro

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