domingo, 4 de novembro de 2012

FINADOS


                 ...e do nosso afeto, do nosso respeito, o que restou, diga-me? Nos guardávamos em memórias, em frases, em fotos amareladas pelo tempo, em gestos de carinho e de cuidado. Agora, eu falo com o vento, escrevo para um ausente, me sinto ferida, sangrada, cortada, esvaída de minha força. O que você fez comigo?
                O que fizemos conosco? Quando na nossa forma vaga de amarmos sem nos delatarmos, perdemos o fio da meada, o tempo certo, o bonde, o gesto, o beijo e o afago, na esperança de sermos melhores para alguém, e agradarmos a todo mundo? O que fizemos conosco?
                E de nossa juventude, rostos brilhando, felicidade espontânea com a presença mútua, aquela que achávamos esconder dos outros, mas escondíamos só de nós mesmos, presos aos nossos medos enormes de nos machucarmos, ou talvez sermos por demais felizes num mundo em que o bonito é sofrer? O que fizemos da juventude?
                Agora, que temos a maturidade, e a paixão não mais nos cega, sabemos que devemos viver cada dia, mas não temos mais este tempo. O que fizemos conosco, me diga? O que tua palavra mansa, teu peito afogado, teus olhos suplicantes queriam me dizer de tão importante, agora que já sabemos da efemeridade do tempo? O que é importante me falar agora, saber agora, que vá nos resgatar a juventude, diálogos, cartas amareladas, olhos brilhando, e o que não fomos quando tínhamos que ser?
                Não! Não fales nada. Porás todas as nossas lembranças a perder. Não resgates o amor que sentimos, não fales da falta que te fiz, da alegria que poderíamos compartilhar. Pois falar é fácil, mas vamos continuar em nossos lugares, estanques, com nossos mesmos medos, cheios de dedos, com medo da condenação divina pelo nosso amar. E se eu falar, vais fugir, eu sei que vais. Teu silêncio sempre foi medo, teu medo foi sempre inação, e não sei nem porque te amei, se te conhecia o âmago, te conhecia o avesso, e sabia que eras imperfeito.
                Prefiro, agora, flertar com teu silêncio, com a memória de teu riso, de teu toque sorrateiro, prefiro. Não, não estou mentindo, é verdade! Dói menos poder ainda sentir o calor da tua mão em sonhos, do que a frieza de teus gestos, hoje. Curioso que tu és! Queres ter certeza do que perdeste? E com a certeza do que é morto, o que farás? Construirás um cemitério de cartas, gestos e sorrisos, nossa juventude perdida? Melhor ! Encerremos nossa história nesta caixa, e a enterremos, para que possamos, ainda que no fim de nossas vidas, caminharmos livres. Afinal, hoje é dia de honrarmos nossos mortos. E nossas mortes. 

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