Vejo, todo dia, mulheres a caminho.
Caminhos de ida, caminhos de volta.
Mais jovens, mais velhas,
Atemporais.
Faço, às vezes, parte do caminho delas.
Presencio, apoio, me emociono.
A vida é bela em nossas procuras.
Digo nossas porque me reconheço
Na história de cada uma delas.
Fragmentos, na verdade,
De sentimentos, ressentimentos,
Motivações – ou a falta delas.
Precisam, muitas vezes,
De quem as ouça.
As vezes, de uma direção;
Outras, cumplicidade
Ou complacência.
Outras, ainda, orientação.
Mas do que estou falando?
Era uma vez uma mulher que perdera a direção. Não sabia dizer quem ela era, apesar de enumerar corretamente tudo o que havia feito na vida. Casara com o primeiro namorado; tivera filhos e os perdera; tivera uma carreira que amava, e se aposentara.
Os anos passaram, e a alegria de viver ficara em alguma esquina dos caminhos que percorrera. O marido não era mais seu companheiro, diálogos eram preenchidos por silêncio, no medo de não desagradar. Ela tentava agradar a todos, ser boazinha, como a mãe ensinara de pequena, mas esquecia-se de agradar a si própria. Ainda havia vida pela frente, mas a angústia a invadia ao pensar o que gostaria de fazer nos próximos anos, pois não sabia a resposta!
Caíra numa tristeza sem fim. Médicos não conseguiam detectar o problema, não havia um rótulo que lhe coubesse. Não havia antidepressivo que lhe resolvesse. Havia um corpo magoado, dolorido, chorando alto, sentindo a solidão dela nela mesma.
Um dia resolveu buscar outro tipo de ajuda. Tratando-se, conversava. Falando, começou a se escutar, e a se analisar. Um dia acordou com vontade enorme de costurar. A quantos anos, deus meu, que não pegava num tecido, linhas, máquina? Comprou panos, linha, e quis fazer uma blusa. Não tinha moldes, e descosturou uma blusa de que gostava para copiar o feitio. Cortou, costurou, mas não estava satisfeita. Não estava perfeita. Era a manga, não era? Não, não era.
Era o caminho de volta começando a ser feito. Começou a lembrar de sua infância pobre no interior. E das histórias da mãe.
E era uma vez uma mocinha de seus doze, treze anos, que morava numa fazenda. Era a única mulher de um bando de irmãos. Logo cedo já ajudava a mãe com a lida da casa, da cozinha, e não demorou muito, da costura também.
Resolveu então tentar fazer uma camisa para o irmão mais velho, que vivia de chamegos com ela, que era a caçula. Mas como fazer? Resolveu descosturar uma camisa velha. Desenhou cada parte num papel de jornal, cortou o tecido, alinhavou... a mãe só a olhava com o canto de olho, enquanto remendava uma ou outra peça, e sem nada comentar, sorria para si mesma. “menina esperta, esta menina.” Mas gente daquela época não dava muita confiança para criança; nada falou. A mocinha seguia absorta, costurando o tecido xadrez, bonito que só vendo, e, afinal, conseguiu terminar a camisa!
Os outros irmãos também quiseram. Logo ela estava costurando camisas para eles e também para os peões de sua fazenda e também das vizinhanças. Cresceu, casou-se com um dos peões para quem costurara uma camisa; seu pai a pôs para fora de casa, e ela foi viver num rancho simples, mas feliz. Teve os filhos e os perdeu também, e costurou por toda a vida para viver e por prazer.
E os caminhos se encontraram. Quarenta anos depois, a filha descosturando a blusa, refazendo os passos da mãe... Para saber quem era ela, tinha que buscar o seu começo. E o que era antes dela. Quem era ela, e quem a fizera.
Na frente de seus olhos passaram cenas boas, da mãe costurando na máquina de pedal, com o lampião de gás no meio da sala e o rádio ligado; a mãe costurando seu vestido para o casamento de um de seus irmãos. As duas escolhendo a fazenda para seus vestido de noiva.
A máquina nova veio com a luz na casa do rancho; sua mãe e ela, fundidas cada vez que ajustava uma cintura de um vestido, cerzia um tecido...
E o fio de sua vida foi reencontrado, e ela soube dizer quem ela era. Desta forma vi um caminho de volta sendo feito. Chorei com ela, me emocionei com a busca e com seu resultado.
E acabou-se a história e não morreu a Vitória, como diz meu filho. Entrou por uma porta, saiu pela outra, e quem quiser que conte outra. Por acaso você teria uma para compartilhar?
sábado, 17 de dezembro de 2011
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