Dezembro; quase nas vésperas do Natal. Tantas lembranças vem a tona, de outros anos, de antigas comemorações... ihhh! Vão pensar vocês, mais um texto batido sobre sentimentos, consumismo, saudosismo... Calma, continuem a ler. Quem sabe eu não surpreendo um pouco?
Quase dezoito anos se passaram. Eu morava no Japão, com meu marido. Havia oito meses que vivíamos no país do sol nascente, e a adaptação não era das mais fáceis. Eu, particularmente, batia de frente com muitos costumes, e morria de saudades do meu país. Como estava em processo de aprendizagem da língua japonesa, não havia muito tempo para me entristecer com saudades, pois o esforço era imenso para poder falar logo. Assim se passaram os oito meses, mas agora, até para mim e meu esposo, era época de férias.
Para os japoneses, o que importa é a chegada do Ano Novo. Eles dão importância para qual animal do horóscopo chinês irá reger o ano que se iniciará. Trocam cartões de ano novo (nengajyo) entre todos os conhecidos. Preparam arranjos de ikebana específicos para esta época do ano, com galhos de pinheiro, crisântemos e um arbusto de pequenos frutos vermelhos. Preparam comida para três dias, pois irão receber visitas de amigos, irão visitar outras casas e peregrinarão por vários templos, xintoístas e budistas, para pedirem bênçãos para o Ano Novo. Na virada do Ano, os templos budistas tocam seus sinos 365 vezes, para abençoar o ano vindouro. Costumes diferentes dos nossos, mas não tão distantes de nossas confraternizações.
Porém no Japão não se comemora o Natal. Lá a data não tem um significado como para os cristãos; torna-se data de troca de presentes, costume herdado da época em que os americanos os subjugaram. É uma boa data para o comércio, mas nada diz aos japoneses.
E lá estava eu, sozinha com meu marido, em plena noite de Natal, no meu kitchinete, lembrando de outros natais. Estávamos um pouco tristes, com a distância da família, e não havia com quem comemorar, pois nos encontrávamos numa cidade que vivia para outra religião. Preparavamo-nos para jantar, quando tocou o interfone.
Meu marido atendeu, e o pessoal da recepção do alojamento informou que seu amigo Nakata estava subindo. Nakata era amigo do tempo que meu esposo fizera seminário no Japão. Ele tinha uma feição muito pálida, era muito, muito feio, e o raciocínio não o ajudava muito. Era preterido pelos japoneses, e encontrara nos brasileiros seminaristas os amigos que não conseguira fazer entre os seus. Ele não se esquecia disto, e quando soube que meu marido havia retornado ao Japão, vinha nos visitar sempre que podia.
Meu marido abriu a porta para Nakata. Ele trazia várias sacolas nas mãos e corremos a ajudá-lo, sem entendermos nada. Ele entrou se desculpando pelo mau jeito, e foi logo explicando: “Onishi san, hoje lembrei que sua esposa é ocidental, e deveria estar com saudades do Brasil, porque é Natal. Sei que na Tenrikio não comemoramos, mas eu passei na frente do açougue, e eles estavam assando isto, e eu trouxe para fazermos uma comemoração.”
Dito isto, abriu a sacola maior, e foi tirando três pacotes de dentro. Qual não foi minha surpresa quando me deparei com três frangos assados, douradinhos, embalados? Nota de esclarecimento: no Japão qualquer carne é muito cara, e tudo é vendido em pedaços, em pequenas bandejas nos mercados. Crianças japonesas não tem a mínima idéia de qual seja a anatomia completa de um frango morto. Daí o meu espanto, de ver três –três! – frangos assados inteiros na minha frente!
De outra sacola tirou uma garrafa de champagne, e de outra tirou um presente. Disse que havia ido ao “pachinko” (algo como nossos bingos, cheio de caça-níqueis), e havia ganho aquele presente, que era de senhora, então havia se lembrando de mim, se meu marido não se importasse, pois ele não tinha namorada para oferecer. Abri a caixa e havia um belo porta-jóias. Agradeci, feliz, olhando para meu marido, que não entendia nada.
E então fomos aos frangos. Pusemos a mesa, fiz um arroz, lavei salada, e resolvemos cortar o assado. Nossa boca salivava, com aquela visão dourada a nossa frente. Garfo espetado, a faca correu pelo peito do frango e... estava crú por dentro!! Nakata nos olhou com cara de “ai meu deus”, e eu fui rápida: “não tem problema, colocamos no forninho.”
Outra nota: no Japão a maioria das casa não tem fogão como os nossos. Eles não sabem fazer bolos, pouco fazem assados. Usam ao invés disso, pequenos fornos elétricos, e pequenos fogões parecidos com os de camping. Então, foi necessário o improviso. Despedaçamos o frango, e fomos colocando no forninho, para terminar de assar. Abrimos o champagne, e comemoramos a nossa amizade, e a lembrança de Nakata.
Havia muito frango, e resolvemos, com a anuência de Nakata, compartilhar com os amigos que ficavam de plantão na recepção. Foi outra festa inesperada. Foram buscar a cerveja, e todos comemoramos, de maneira bem peculiar, um Natal no Japão.
E Nakata, nosso amigo feioso, branco como cera, de raciocínio fraco e coração enorme, transformou-se no nosso anjo sem asas naquele dia, e para sempre belo aos nossos olhos. Milagres de Natal...
domingo, 18 de dezembro de 2011
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