Sairia daqui em
estado de graça, se pudesse discorrer sobre paisagens que minha retina não
provou. Se pudesse sentir o vento quente dos desertos - dizem que é quente, que
a areia entra até nos pensamentos, e que o calor penetra pela respiração – e se
você pudesse senti-lo, ah! seria minha realização.
Mas do que posso
falar eu? Das ondas que espiei desde menino, quando meu pai saia para pescar,
naquele barco de um branco enfeitado de ostras e algas... das gaivotas que
disputavam com os barcos os cardumes fartos, em rasantes fantásticos, me
levando em suas asas prateadas... e da areia morna e úmida, em que meus pés
afundavam.
O meu mundo é o
limite de meu horizonte. O meu horizonte não é mais do que era aos navegadores
de antigamente, um plano, até onde minha vista alcança, e depois disso? Brumas.
Escrevo para você com
a esperança que paisagens lunares se levantem a minha frente, e possa transmiti-las
com a força das palavras neste exato momento. Porém a melhor imagem que tenho
delas é com um homenzinho vestido de macacão e capacete, fincando uma bandeira em
seu dorso. E nem lhe sei a cor, textura, cheiro... como dizê-la para você? Como
possuí-la, e assim poder dá-la, se não lhe sei em mim?
Tudo tão impreciso...
minha mãe sonhava ver campos de lavanda. Guardava uma foto, recortada de revista,
em seu livro de orações. Lhe demos um perfume de lavanda, coisa chique,
comprada do turco da venda, e víamos o sorriso lhe brotar nos lábios cansados,
quando colocava pequenas gotas do perfume nos pulsos e os cheirava... para ela,
os campos de lavanda já lhe pertenciam, pois tinha o aroma e a imagem...
Das paisagens que me
cabem, ainda sinto a maresia entranhada na pele e cabelos, nas portas e janelas
das casas caiadas do vilarejo à beira da praia. Sinto o cheiro da terra seca
levantando, quando um ou outro carro passavam por aquelas paragens, e escuto os
latidos de meu velho cão, correndo atrás das rodas e das galinhas, criadas
soltas por ali. Sinto o sol crispando minha pele, e o vento frio que vinha do
mar no inverno.
Isto eu posso lhe
dar, porque possuo em mim. E por isso lhe escrevo, porque é o que conheço. Se é
o suficiente para ti, não sei, mas é desta matéria que sou feito, e se me
queres saber, cá estou eu. Entregue. Dá-me o destino que desejares em ti, mas
não te esqueças: somos um no outro, viagem. Eu em mim, e tu em ti mesma, somos nossa
própria paisagem.
- este post é parte integrante do projeto “caderno de notas – terceira edição” do qual participam as autoras Ana Claudia Marques, Ingrid Caldas, Lunna Guedes, Mariana Gouveia, Tatiana Kielberman, Tha Lopes e Thelma Ramalho.
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A vida vista com delicadeza. Corro pro meu baú interno e cheiro o lenço de linho com biquinhos de crochê lilás. O perfume é Cashemir Bouquet.
ResponderExcluirLindas lembranças me veio aqui.
Obrigada, Mariana! beijo
Excluiruma visão que me fez refletir..
ResponderExcluirler e reler...
beijo querida.
Ingrid, obrigada. Beijo!
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