segunda-feira, 12 de maio de 2014

VIAGEM E PAISAGEM

Sairia daqui em estado de graça, se pudesse discorrer sobre paisagens que minha retina não provou. Se pudesse sentir o vento quente dos desertos - dizem que é quente, que a areia entra até nos pensamentos, e que o calor penetra pela respiração – e se você pudesse senti-lo, ah! seria minha realização.
Mas do que posso falar eu? Das ondas que espiei desde menino, quando meu pai saia para pescar, naquele barco de um branco enfeitado de ostras e algas... das gaivotas que disputavam com os barcos os cardumes fartos, em rasantes fantásticos, me levando em suas asas prateadas... e da areia morna e úmida, em que meus pés afundavam.
O meu mundo é o limite de meu horizonte. O meu horizonte não é mais do que era aos navegadores de antigamente, um plano, até onde minha vista alcança, e depois disso? Brumas.
Escrevo para você com a esperança que paisagens lunares se levantem a minha frente, e possa transmiti-las com a força das palavras neste exato momento. Porém a melhor imagem que tenho delas é com um homenzinho vestido de macacão e capacete, fincando uma bandeira em seu dorso. E nem lhe sei a cor, textura, cheiro... como dizê-la para você? Como possuí-la, e assim poder dá-la, se não lhe sei em mim?
Tudo tão impreciso... minha mãe sonhava ver campos de lavanda. Guardava uma foto, recortada de revista, em seu livro de orações. Lhe demos um perfume de lavanda, coisa chique, comprada do turco da venda, e víamos o sorriso lhe brotar nos lábios cansados, quando colocava pequenas gotas do perfume nos pulsos e os cheirava... para ela, os campos de lavanda já lhe pertenciam, pois tinha o aroma e a imagem...
Das paisagens que me cabem, ainda sinto a maresia entranhada na pele e cabelos, nas portas e janelas das casas caiadas do vilarejo à beira da praia. Sinto o cheiro da terra seca levantando, quando um ou outro carro passavam por aquelas paragens, e escuto os latidos de meu velho cão, correndo atrás das rodas e das galinhas, criadas soltas por ali. Sinto o sol crispando minha pele, e o vento frio que vinha do mar no inverno.
Isto eu posso lhe dar, porque possuo em mim. E por isso lhe escrevo, porque é o que conheço. Se é o suficiente para ti, não sei, mas é desta matéria que sou feito, e se me queres saber, cá estou eu. Entregue. Dá-me o destino que desejares em ti, mas não te esqueças: somos um no outro, viagem. Eu em mim, e tu em ti mesma, somos nossa própria paisagem.

- este post é parte integrante do projeto “caderno de notas – terceira edição” do qual participam as autoras Ana Claudia Marques, Ingrid Caldas, Lunna Guedes, Mariana Gouveia, Tatiana Kielberman, Tha Lopes e Thelma Ramalho.

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4 comentários:

  1. A vida vista com delicadeza. Corro pro meu baú interno e cheiro o lenço de linho com biquinhos de crochê lilás. O perfume é Cashemir Bouquet.
    Lindas lembranças me veio aqui.

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  2. uma visão que me fez refletir..
    ler e reler...
    beijo querida.

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