sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

FERIDA

Sumia, assim, em meio ao turbilhão de idéias que iam e vinham, juntamente com a balbúrdia de vozes que a cercavam. Era uma egoísta, pensava, por querer estar sozinha naquela noite maravilhosa, com todos os outros querendo compartilhar tudo o que acontecera durante o dia.


Uma emoção azeda lhe apertava bem no meio do peito. Uma vontade de chorar sabe-se lá por quê. Uma lassidão nas pernas, como se elas fossem amolecer de repente, e ela fosse sumindo, sumindo. Vontade de nada fazer. Vontade danada de ser abraçada, acarinhada, compreendida, defendida. Sua fortaleza era ilusão, que todo mundo comprava. A realidade era este ser carente, implorando por aprovação.

Mas que! Ninguém prestava atenção naquela menina magrela, cabelos escorridos, óculos demodé, ombros sempre encurvados, como se quisesse experimentar a autofagia, ou um truque de mágica definitivo que a fizesse sumir.

Tinha medo dos moleques. Tinha medo do toque, e dos abraços que tanto precisava. Houveram toques e abraços indesejados, que haviam marcado sua alma, sua vida. Fora violentada, surrupiada de sua infância e inocência, e por quem tinha um amor incondicional, acima de qualquer suspeita. Como poderia sentir-se no direito de sentir-se bonita, se iria causar nos homens o desejo de ser novamente conspurcada? Como poderia ter certeza de que o próximo que chegasse estaria olhando para ela, e não só para o que seu corpo poderia oferecer?

Por isso o silêncio. Por isso o desleixo. E as respostas ferinas e o olhar desconfiado. Sentia que nada podia fazer, que o destino era um, e de lá não havia escapatória. Não tinha forças para lutar com estas idéias, e deixava-se levar pela corrente.

Seu segredo lhe sangrava por dentro. Não sabia o quanto estava ferida, mas sabia que havia uma sombra que lhe tirava a graça de viver. Só ela não poderia ser feliz. Todos riam. Alguns casais iam se formando, naquela beira de praia, e ela observava.

Ninguém a notava. Ela se isolara, estava mesmo só. Instintivamente afagou os próprios braços, na procura de calor. Para que estou aqui, nesta terra? E assim pensando, foi se encaminhando para a areia da praia, longe daquela manifestação de vida da qual não participava. Ninguém notou.

Saiu da vista de todos, a iluminação da rua já não banhava a areia. Olhou para cima, e só a luz da lua iluminava ao seu redor. Estava realmente sozinha. Ninguém dera por sua falta... seus pés se encaminhavam para a beira do mar, e não sentia nada. Foi entrando na água, gelada, molhando a saia, os quadris, o ventre. As ondas quebravam em cima dela, e ela não retrocedia. A roupa pesava, mas ela seguia em frente. Ninguém notara sua falta, nem ela mesma...

Uma onda a envolveu, e ela submergiu. Não resistiu, como não resistira, inocente, anos atrás. Enquanto perdia a consciência, porém, pensou que estava se limpando, naquelas águas...e abraçada pelo mar, fugiu de sua dor, no truque de mágica definitivo: morreu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Blog Palavra Prima, é para lá que eu vou

Quem chega aqui deve perceber que as postagens estão cada vez mais escassas. O motivo real é a criação, há mais de dois anos, de outro blog,...