domingo, 12 de fevereiro de 2012

CABOCLO

            Sentia falta de pequenos detalhes. Não era de buquê de flores, mas de palavras. Não era de beijos, mas de breves afagos. Não era de lascívia, mas de cumplicidade. Sentia como se um pedaço seu estivesse faltante, um buraco no meio do peito.

            Motivo não tinha. Ele nunca dera nenhuma esperança, ah, não! Mas o que podia fazer, se em coração próprio ninguém mandava? Escutava uma música, pura melodia, vozes entrelaçadas, e seu coração compassava, descompassava, um vórtice quente se abria em seu peito, o mundo que conhecia sumia, havia só a emoção.

            Seus olhos fechavam sem querer, e o semblante moreno lhe aparecia. Ô caboclo, como podes tu me deixar assim, desacorçoada? Ô caboclo, como tua fala macia me chama, sem me chamar? Sentimento louco, desatino de querer! Ela abria a janela da casa e olhava a rua de paralelepípedos, a ladeira suave de antigas casas de um colorido desbotado.

            Silente, fica a morena encostada, quieta, a janela. Tenta sentir-se inteira, guardar a sensação que lhe envolve o corpo. A lassidão quente, que lhe envolve os braços, as pernas, o ventre, a moleza de um entregar-se o coração sem o dono receber...

            Caboclo belo, já de muito viver, muitos sofrimentos, tocava as modas na viola como se a voz lhe saísse do coração, não da boca. E olhava para ela, ela via que olhava, de comprido, depois baixava as pestanas, num não sei de nada.

            Às  vezes lhe dava dois dedos de prosa, com aquele sorriso largo só para ela, e quando ninguém percebia, lhe pegava uma mecha do cabelo índio, e lhe fazia um elogio, só para vê-la vexada, corando, sorrindo sem saber o que dizer.

            E então sumia. Dias e dias, sem vê-lo. O amor deles era ainda uma promessa, mas ela sentia como uma sina já marcada, mas sem modos de ser cumprida. Quando já começava a desesperar, ele passava pela rua antiga, e a procurava com os olhos, de soslaio. Ela o via por detrás da cortina simples, os olhares se cruzavam, um pequeno aceno, e o sol já brilhava mais.

            E o resto? O resto era sonho, era interjeição. O resto era aquela sensação de vir a ser que o amor tem, quando o olhar, o falar e o tocar pedem mais que o já havido, mas não há ação que acompanhe o sentimento.

            Ela olha de novo pela janela. Ajeita o cabelo de um lado só do pescoço, limpa um cisco que não tem no olho, e suspira. A vida, caboclo, a vida não espera. Quando você vai chegar? Se tu me chamasses, eu iria contigo!

            Uma voz lhe chama de dentro da casa: “nega, cadê minha camisa passada?” – e a cabocla acorda, a vida não espera, marido também não.

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Gostaste? Saiu assim, de uma só vez, ao som de Desenredo, com o Boca Livre cantando ao fundo. Só poderia dar nisso!

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  2. Lindo, tem uma fala mansa carregada de amor,suspiros e saudades.No final a realidade,simples assim,como havia de ser!

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