quinta-feira, 9 de agosto de 2012

PÃO DA PALAVRA



Tudo começou com uma frase mágica, que me caiu nas mãos: “Ai do poeta que se achar melhor que o poema que por ele acontece”, de Adélia Prado. Deixei a frase aqui guardada, esperando o fermento crescer, junto com outra frase: “o artista precisa perecer por inteiro para que a obra nasça” de Tarkovski.  E então, hoje, a mágica do fermento da Palavra se fez...


Mergulhei com cuidado nas palavras de Adélia Prado; o poema acontece por mim... o poema não sou eu, sequer me pertence... mergulhando segurei a respiração. Quando emergi, a minha visão do que é escrever foi confirmada: não somos, muitas vezes, autores das palavras que vertemos no papel; somos sim, instrumentos para que a Palavra viva, vertida no papel, e se propague, se converta em pão da alma.


Seria muita pretensão nossa acharmos que nesta nossa finitude terrena e limitadora pudéssemos conter em nós tanta sabedoria, tanto sentimento. Somos antenas do tempo em que vivemos; alguns são antenas de tempos que se foram, e outros, de tempos que virão, mas não passamos de vasos comunicantes, e não a comunicação em si. Quantas vezes li e reli o que havia acabado de escrever, para compreender o significado. Adélia Prado nos ensina, em uma frase, a não perdermos a humildade diante da tarefa de escritor/poeta.


E a seguir, vem a frase de Tarkovski, dando a dimensão da transformação pela qual o artista deve passar para que nasça algo: ele tem que perecer inteiro. No ato da entrega, do não julgar o que passa por ele, a obra se faz sem se conspurcar pela nossa essência. A obra não somos nós, novamente, não nos pertence, está além de nós e de nossos propósitos limitados.


Consigo entender, a aprtir daí, o paralelo que um amigo de alma fez, comparando escrita e sacerdócio; ele se apropria da ideia de Adélia e diz: “ai do sacerdote que se achar melhor do que o sacramento que celebra”. Também se apropria da idéia de Tarkosvki e diz: “ do mesmo modo o sacerdote, diante da plenitude  que o altar, a palavra e o silêncio sugerem.” Escrita e sacerdócio exigem humildade e uma entrega muito especial. É quando há o silêncio que emerge, não vazio de palavras, mas pleno de Palavra, uma meditação ativa, um mergulho dentro de si mesmo alcançando mais do que si mesmo. Altera-se a atmosfera ao redor; o ar possui densidade, e percebemos que este é um momento único de clara vidência, o significado da pintura na Capela Cistina, o dedo de Deus tocando o dedo do Homem, o Kyrie entoado numa grande catedral.


E então, com a profundidade com que busca a Palavra em sua fonte e em quem só tem o dom da palavra,  o artista/sacerdote também transforma o sentimento que não se traduz em parábola, em palavra, em pó de palavra, ingrediente do brilhante silêncio que ecoa e se propaga em outras almas.

2 comentários:

  1. O dedo de Deus tocando o dedo do homem.

    E o pão se faz.
    Nem só de pão vive o homem, mas também de toda palavra que encanta.

    ResponderExcluir

Blog Palavra Prima, é para lá que eu vou

Quem chega aqui deve perceber que as postagens estão cada vez mais escassas. O motivo real é a criação, há mais de dois anos, de outro blog,...