Tudo começou
com uma frase mágica, que me caiu nas mãos: “Ai do poeta que se achar melhor
que o poema que por ele acontece”, de Adélia Prado. Deixei a frase aqui
guardada, esperando o fermento crescer, junto com outra frase: “o artista
precisa perecer por inteiro para que a obra nasça” de Tarkovski. E então, hoje, a mágica do fermento da
Palavra se fez...
Mergulhei com
cuidado nas palavras de Adélia Prado; o poema acontece por mim... o poema não
sou eu, sequer me pertence... mergulhando segurei a respiração. Quando emergi,
a minha visão do que é escrever foi confirmada: não somos, muitas vezes,
autores das palavras que vertemos no papel; somos sim, instrumentos para que a
Palavra viva, vertida no papel, e se propague, se converta em pão da alma.
Seria muita
pretensão nossa acharmos que nesta nossa finitude terrena e limitadora
pudéssemos conter em nós tanta sabedoria, tanto sentimento. Somos antenas do
tempo em que vivemos; alguns são antenas de tempos que se foram, e outros, de
tempos que virão, mas não passamos de vasos comunicantes, e não a comunicação
em si. Quantas vezes li e reli o que havia acabado de escrever, para
compreender o significado. Adélia Prado nos ensina, em uma frase, a não perdermos
a humildade diante da tarefa de escritor/poeta.
E a seguir,
vem a frase de Tarkovski, dando a dimensão da transformação pela qual o artista
deve passar para que nasça algo: ele tem que perecer inteiro. No ato da
entrega, do não julgar o que passa por ele, a obra se faz sem se conspurcar
pela nossa essência. A obra não somos nós, novamente, não nos pertence, está
além de nós e de nossos propósitos limitados.
Consigo entender, a aprtir daí, o paralelo que um amigo de alma fez, comparando escrita e
sacerdócio; ele se apropria da ideia de Adélia e diz: “ai do sacerdote que se
achar melhor do que o sacramento que celebra”. Também se apropria da idéia de Tarkosvki
e diz: “ do mesmo modo o sacerdote, diante da plenitude que o altar, a palavra e o silêncio sugerem.”
Escrita e sacerdócio exigem humildade e uma entrega muito especial. É quando há
o silêncio que emerge, não vazio de palavras, mas pleno de Palavra, uma
meditação ativa, um mergulho dentro de si mesmo alcançando mais do que si
mesmo. Altera-se a atmosfera ao redor; o ar possui densidade, e percebemos que
este é um momento único de clara vidência, o significado da pintura na Capela
Cistina, o dedo de Deus tocando o dedo do Homem, o Kyrie entoado numa grande
catedral.
E então, com
a profundidade com que busca a Palavra em sua fonte e em quem só tem o dom da
palavra, o artista/sacerdote também
transforma o sentimento que não se traduz em parábola, em palavra, em pó de
palavra, ingrediente do brilhante silêncio que ecoa e se propaga em outras
almas.
O dedo de Deus tocando o dedo do homem.
ResponderExcluirE o pão se faz.
Nem só de pão vive o homem, mas também de toda palavra que encanta.
poesia para um texto... amei, Mariana.
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