Escuto o piano. Suave, entra em minha alma, que anda precisando de alento. A música preenche estes espaços, clareia os caminhos, apascenta meu coração. Transporta-me para outros lugares, aonde eu posso ser livre.
E o que é liberdade? Quando não estamos presos aos outros, ou quando não estamos presos a nós mesmos? Quando seguimos por nossos caminhos, ainda que tortos, ainda que enganados, somos livres? Ou só somos livres quando totalmente cônscios de nossas escolhas?
Neste momento em que abstraio minha realidade através do som suave e devastador de um piano que toca, tenho vontade de chorar. Podem ser os hormônios, sim. Mulheres são animais regidos por hormônios. Mas além dos hormônios, há a vontade de voar mais alto, há a espera pelo não sei o que, que ocorrerá não sei quando, que faz aquela enorme diferença.
Sinto os acordes penetrando em meus músculos, me massageando por dentro. Estão em tom maior, mas me falam de tristeza, em escalas descendentes e incompletas. Quando você pensa que a música vai se completar, volta para o mesmo ponto, como se o autor estivesse perdido num labirinto. Parece comigo, parece comigo... e lágrimas descem, sem estardalhaço.
Sou dramática, me dizem sempre. Sou um clown, penso eu. Rio para esconder minha verdadeira natureza, totalmente sem proteção. Sinto tudo superlativamente, juntando a realidade ao sonho, o que me faz dramatizar tudo. Falo muito e sobre tudo. Porém , se precisar falar do que me é caro, me calo.
Escutem o piano agora! Há um casal bailando, você pode ver? O homem conduz a bela lhe segurando a cintura por trás, uma das mãos segurando as mãos dela no alto. Ela está se inclinando para trás, repousa as madeixas no ombro dele, e ele a enlaça mais forte, e rodopiam, suavemente, suavemente... ele a vira para frente, e dançam, passos sincronizados, como se só fizessem isto por toda vida... a música finda, a imagem some.
Estou só, novamente. Ao meu redor, o mundo continua igual. Uns assistem o noticiário, outros estudam, a criança brinca, os animais comem e dormem. Uns nascem, outros morrem, e eu continuo aqui, estanque, ou em estado de suspensão.
Faço novos caminhos como se fossem de nuvens de algodão. Não são estradas de terra, não são pontes de madeira ou de aço; são etéreos, às vezes parecem frágeis, e tenho receio de entrar por eles. Busco minha certeza mais escondida, meu segredo mais bem guardado, fecho os olhos e sigo o novo caminho. Uso do recurso da loucura para poder sentir um chão debaixo dos pés, e consigo.
Agora o piano me conta uma história de princesa, presa numa torre, olhando seu amor lá embaixo, inalcançável, sem perceber que há uma escada, logo atrás da porta destrancada. É preciso que um pássaro entre pela janela e fale com ela, lhe mostre a porta, lhe guie pela escada. O grande torreão está na penumbra, mas ela segue o pássaro, sem titubear. E alcança a saída da torre, correndo para fora. Seu amor, não a vendo de longe, na janela, pensa que ela se cansou de olhá-lo, e vai embora. E agora, para onde irá a moça? Voltará para a torre, ou irá atrás do amado? A música para, e fico sem saber o final.
Mas inicia-se uma nova música, acordes belamente encadeados, subindo, confiantes, me contando que não há um dia igual ao outro. E me conta, sim, eu escuto! Que sou capaz de fazer tudo o que quero, que não preciso ficar neste estado ensimesmado.
E sinto, vindo de não sei onde, um abraço que me toma todo o corpo, me aquece. Sinto que estou sendo tomada nos braços, ganho colo, e nos cabelos, afagos. Deixo-me ficar nesta sensação doce, acolhida, amada, enquanto o piano continua tocando, dentro de minha alma.
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