domingo, 29 de abril de 2012

AS ROSAS NÃO FALAM


                Acordei hoje com uma música em minha cabeça: As Rosas não Falam, de Cartola. Fui pesquisar um pouco da vida deste sambista, que nos deixou tantas  belas composições. Cartola era um poeta e músico de uma sensibilidade tal que suas composições são regravadas até hoje, imortalizando-o através de sua obra.
                Cartola passou por adversidades, mas teve amigos e amores que o ajudaram a vencê-las. Fundou a Estação Primeira da Mangueira, perdeu a primeira mulher vítima de um ataque cardíaco, após ele mesmo ter tido meningite. Sumiu por dez anos, até Sérgio Porto redescobri-lo como lavador de carros, e levá-lo de volta as rádios. Conheceu aquela que se tornaria sua segunda mulher, dona Zica, que o amou sem considerar a falta de dentes ou o alcoolismo. Fê-lo levantar-se, reerguer-se. Amores e amigos sempre o reconduziram ao caminho do qual ele não devia sair. Quando morreu, grandes nomes da música foram homenageá-lo. Não é para todos; há os que morrem no ostracismo. Ele não, porque retribuiu a força recebida, lançando novos sambistas, dando caminho a quem procurava.
            Sonhei que deveria escrever sobre Cartola. Não o que está na Wikipédia, falando sobre datas e discografias. Mas a interpretação destes dados pelo meu coração. Cartola devia ter um carisma único, especial. Poderia ter sido somente um pedreiro, esquecido entre o cimento e tijolos das construções que ajudou a erguer. Mas foi além das profecias pessimistas que dizem que quem nasce  para tostão não chega a vintém. Compôs músicas belíssimas, foi procurado por Heitor Villa-Lobos, homenageado por Carlos Drummond de Andrade, interpretado por vozes belíssimas da nossa música brasileira. Ninguém se importou se os dentes ou o nariz não eram perfeitos; ninguém perguntou a ele seu grau de instrução; ninguém lhe tirou o valor pela cor de sua pele; ele era maior do que tudo isto, porque sua alma falava através de suas composições. Acho que foi isso que fez dona Zica resgatar seu antigo ídolo do álcool; acho que é isso que faz com que novos intérpretes busquem suas músicas para iniciarem um repertório de respeito.

“Bate outra vez,
Com esperança o meu coração,
Pois já vai terminando o verão,
Enfim.
Volto ao jardim,
Com a certeza que devo chorar,
Pois bem sei que não queres voltar,
Para mim.
Queixo-me as rosas,
Mas que bobagem, as rosas não falam,
Simplesmente as rosas exalam,
Um perfume que roubam de ti, ai!
Devias vir,
Para ver os meus olhos tristonhos,
E quem sabe sonhavas meus sonhos,
Por fim...”

                Cada vez que escuto esta música, sinto uma saudade antiga latejar dentro do peito, como se o outono chegasse com seus ocres e vermelhos, com seu frio prometendo aconchego, e de repente,  percebesse que tudo não passava de um sonho. Como se, olhando as rosas, altivas e distantes, tão irreais em sua beleza, percebesse subitamente que elas somente eram uma imagem de todas as ilusões pelas quais passamos, a espera que tecemos, os espinhos em que nos machucamos.   E Cartola encerra, chamando a amada a perscrutar sua dura realidade, para então se dignar a volver a condição humana, e sonhar com ele...
                Então, sonhemos com Cartola. Viajemos nesta constelação particular, criada por este mestre singular. E aprendamos com ele, que soube aproveitar cada momento que a vida lhe deu, para criar obras primas, com o amor ou com a dor, sendo inteiro em cada criação...

               

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