Acordei
hoje com uma música em minha cabeça: As Rosas não Falam, de Cartola. Fui
pesquisar um pouco da vida deste sambista, que nos deixou tantas belas composições. Cartola era um poeta e
músico de uma sensibilidade tal que suas composições são regravadas até hoje,
imortalizando-o através de sua obra.
Cartola
passou por adversidades, mas teve amigos e amores que o ajudaram a vencê-las. Fundou
a Estação Primeira da Mangueira, perdeu a primeira mulher vítima de um ataque
cardíaco, após ele mesmo ter tido meningite. Sumiu por dez anos, até Sérgio
Porto redescobri-lo como lavador de carros, e levá-lo de volta as rádios.
Conheceu aquela que se tornaria sua segunda mulher, dona Zica, que o amou sem
considerar a falta de dentes ou o alcoolismo. Fê-lo levantar-se, reerguer-se.
Amores e amigos sempre o reconduziram ao caminho do qual ele não devia sair.
Quando morreu, grandes nomes da música foram homenageá-lo. Não é para todos; há
os que morrem no ostracismo. Ele não, porque retribuiu a força recebida,
lançando novos sambistas, dando caminho a quem procurava.
Sonhei
que deveria escrever sobre Cartola. Não o que está na Wikipédia, falando sobre
datas e discografias. Mas a interpretação destes dados pelo meu coração.
Cartola devia ter um carisma único, especial. Poderia ter sido somente um
pedreiro, esquecido entre o cimento e tijolos das construções que ajudou a
erguer. Mas foi além das profecias pessimistas que dizem que quem nasce para tostão não chega a vintém. Compôs
músicas belíssimas, foi procurado por Heitor Villa-Lobos, homenageado por Carlos
Drummond de Andrade, interpretado por vozes belíssimas da nossa música
brasileira. Ninguém se importou se os dentes ou o nariz não eram perfeitos;
ninguém perguntou a ele seu grau de instrução; ninguém lhe tirou o valor pela
cor de sua pele; ele era maior do que tudo isto, porque sua alma falava através
de suas composições. Acho que foi isso que fez dona Zica resgatar seu antigo
ídolo do álcool; acho que é isso que faz com que novos intérpretes busquem suas
músicas para iniciarem um repertório de respeito.
“Bate outra vez,
Com esperança o meu coração,
Pois já vai terminando o verão,
Enfim.
Volto ao jardim,
Com a certeza que devo chorar,
Pois bem sei que não queres voltar,
Para mim.
Queixo-me as rosas,
Mas que bobagem, as rosas não falam,
Simplesmente as rosas exalam,
Um perfume que roubam de ti, ai!
Devias vir,
Para ver os meus olhos tristonhos,
E quem sabe sonhavas meus sonhos,
Por fim...”
Cada
vez que escuto esta música, sinto uma saudade antiga latejar dentro do peito,
como se o outono chegasse com seus ocres e vermelhos, com seu frio prometendo
aconchego, e de repente, percebesse que
tudo não passava de um sonho. Como se, olhando as rosas, altivas e distantes,
tão irreais em sua beleza, percebesse subitamente que elas somente eram uma
imagem de todas as ilusões pelas quais passamos, a espera que tecemos, os
espinhos em que nos machucamos. E
Cartola encerra, chamando a amada a perscrutar sua dura realidade, para então
se dignar a volver a condição humana, e sonhar com ele...
Então,
sonhemos com Cartola. Viajemos nesta constelação particular, criada por este
mestre singular. E aprendamos com ele, que soube aproveitar cada momento que a
vida lhe deu, para criar obras primas, com o amor ou com a dor, sendo inteiro
em cada criação...
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