Como se não configurasse novidade, era
manhã de sol em Ribeirão Preto. Após seis meses, eu estava de volta àquela
cidade, e com uma acolhida maravilhosa, antecipada pelas mensagens amigas de
pessoas que eu sequer conhecia quando pisei ali pela primeira vez, para o
Congresso da União Brasileira de Escritores. Porém tecemos uma belíssima rede
de amizade através de outra rede, a virtual.
Desta feita, havia motivos mais que
especiais: a Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto, que já ocorre há doze
anos, e o lançamento do livro de Carol Bernardes, uma amizade que começou em
conversas no facebook. Também houvera o lançamento de outra amiga poetisa, Mara
Sena, com história semelhante de estreitamento de laços entre nós, e eu queria
ter seu novo livro em minhas mãos.
Tantas vontades me moviam; quantos “amigos
virtuais”, escritores, batalhadores, que eu queria agora poder conhecer em
carne e osso, ou como disse minha amiga Eliane Ratier, “saindo do quadradinho
do face”. A empatia com todos me pareceu imediata, pois o que já disse uma vez,
repito: nós escritores, fazemos parte de uma linda Confraria, que antecipa o
amanhã.
Cheguei na madrugada do sábado, 26 de
maio, e após largar as malas no hotel e dar uma largadinha do corpo na cama,
tomei um café e fui para o primeiro evento do dia. Queria conhecer dois amigos
virtuais já “adicionados”, Adhemir Martins e Regina Batista, e outra escritora
que ainda não conhecia, Sada Ali. Meu dia
começou bem; após o Salão de Idéias, encontrei Eliane, Maris Ester, que me
enviara delicada mensagem no dia anterior, dizendo que eu estaria em meio a
amigos e livros, e conheci mais dois
poetas, Ferriani e Rosseti, além de Mara Sena, que também encontrei logo cedo.
Fui praticamente carregada, bem
acompanhada por Eliane e Mara, para um verdadeira aula sobre Graciliano Ramos, precedidas
por Rosseti, e encontramos por lá um Menalton Braff, sempre doce e sorridente,
que se mostrou encantado com a aula que tivemos todos.
Na parte da tarde, mais Salão de Idéias,
e foi a vez de me encantar com Suassuna, acompanhada de Carolina Bernardes e
sua filha, Bianca. Ali reaprendi que há grande diferença entre ter êxito e ter
sucesso, entre o que é duradouro e o que é efêmero, entre qualidade e
quantidade. Tudo com o encanto de um jovem de 85 anos, que nos divertiu com
frases maravilhosas, que preciso citar aqui (fará bem para a humanidade): “se
você não sonhar, é melhor ficar em casa”; “tenho a língua afiada, e o Brasil é
do meu povo”; “o doido é aquele que encara o mundo com originalidade, e o
escritor também deve ver o mundo assim.” E uma historinha ótima, sobre uma moça
que lhe comentou, um dia, que não entendia de forma nenhuma a arte abstrata, a
qual ele respondeu: “me admiraria é se você entendesse, minha filha!”. Este é
Ariano Suassuna: um apaixonado pelo Brasil, sua cultura, sua riqueza, que do
alto de seus 85 anos, se posiciona com o vigor de um jovem, e não envergando um
pijama, como estereotipamos um idoso. Quantas lições, passadas somente por seus
atos...
Voltei para o hotel, cansada, mas me
reanimei com um banho e o telefonema para uma amiga querida, que mandou eu
levantar o derriére da cama e me aprontar para assistir o show de Jair
Rodrigues, que aconteceria na frente do Teatro D. Pedro. E eu, obediente,
obedeci, e me deliciei com as músicas e a voz deste maravilhoso cantor (outro
jovem com várias décadas na bagagem...)
Na manhã seguinte, já combinada de
encontrar com Eliane Ratier logo as nove da matina, fiz um roteiro maluco:
assisti a premiação de alunos locais e autores da região, e depois fui
prestigiar o coral da AORP, na frente do Teatro, debaixo de um sol que já
prometia. E então eu vi algo que me maravilhou e marcou como a imagem de tudo o
que passei neste final de semana: na frente do coral posicionou-se um senhor
mulato, com um terno bem surrado, e, com pose de quem iria fazer um solo, nos
mirava a todos, espectadores e ouvintes. Era um mendigo local, que na noite
anterior eu vira cair dançando, ao som de Jair e acompanhado da bebida.
A maestrina então anunciou que iriam
cantar uma peça de Astor Piazolla. O coral começou aquela música maravilhosa,
mas foi eclipsado pelo mendigo, que em pose solene, as costas retas, altivo,
chorava a nossa frente, ora olhando para o céu, ora limpando as lágrimas com as
palmas das mãos. Eu, e tantos outros, começamos a chorar junto com ele, pois em
sua total entrega, disse mais do que a música sobre aonde a beleza, em todas as
formas, pode nos levar...
Poderia terminar por aqui, mas ainda
houve um Salão de Idéias com meu professor forever,
Deonisio da Silva, mediada por seu “primo sueco”, Menalton Braff, aonde em
meio a histórias pitorescas, assuntos sérios, transcendências explicadas,
aprendemos e rimos muito, ao mesmo tempo.
Depois, cercada de bons escritores por
todos os lados, fui conhecer o chopp do Pinguim, pois seria uma heresia ir a
Ribeirão Preto e não entrar na mais famosa choperia da cidade. De lá ainda
corri para prestigiar minha amiga Carol Bernardes no Salão de Idéias do qual
participava, e logo após, tive em mãos seu livro autografado. Ela estava
precisando de um chá de camomila, e eu precisava almoçar.
Voltei ao Pinguim, agora com Mara Sena,
seu esposo e Adhemir Martins, para comer,
rezando, um delicioso sanduíche. Conversamos até não mais poder, e de lá passei
direto no hotel, peguei minha bagagem, e em vinte minutos embarcava para casa,
novamente.
Voltei, é fato, mas minha alma ficou
lá... Vim chorando no ônibus de volta, lembrando da acolhida calorosa recebida,
do encontro com amigos novos e antigos, da sensibilidade do morador de rua,
tocado pela música...emoções várias, coração posto a prova, e a minha vontade
de assumir que sou escritora, sim, agora e sempre, de uma vez por todas, pois a
esta confraria pertenço, desde quando me entendo por gente, mas só agora me dei
conta.
Ana,você é uma delícia!!!!! Obrigada pela boa companhia, entusiasmo, disposição e bom humor.
ResponderExcluirAna que delícia ler isso!!! Agradeço pelas palavras, agradeço pela emoção compartilhada!
ResponderExcluirParabéns pelo blog!
Leve nossa voz em seu coração e a emoção do moço de terno surrado, lavando a alma com alegria e simplicidade!
Está lindo Ana, falou com tanta claridade e emoção!E foi lindo o gesto da Gisele Ganade cumprimentando o 'cantor'!
ResponderExcluirGrata
champa