Nas
horas mortas me sinto viva; dialogo com minha alma de maneira honesta, singela,
humilde mesmo... e depois me sinto iluminada, e o sol se faz em mim. Nas horas
mortas, me percebo inteira; ouço o ritmo do meu coração, o entra e sai do ar no
meu pulmão, a calor que me envolve com o chegar de uma lembrança, e sempre e
bem vinda, a renovada esperança...
Nas
horas mortas uma vela acendo, no candelabro do velho piano centenário, e me
ponho a tocar músicas sem partitura, dando somente vazão à voz da alma, que não
quer ser mais do que martelos batendo em cordas, ressoando na madeira, se
expandindo no espaço vazio, antes silente, e agora resplandente...meus dedos e
o teclado, meu corpo balançando para um e outro lado, meus olhos fechados, meus
ouvidos procurando a correta nota, o acorde perfeito, a sétima que desate, a
segunda que acorde o gigante adormecido da emoção.
Nas
horas mortas vagueio pela casa, me sento na escrivana, como eu chamo ao meu
ninho, e com um chá verde e seu aroma, vou buscar inspiração. Vejo a cor, a
porcelana branca e o chá transparente, sinto a forma do vasilhame, sinto o
tépido estímulo que me faz querer o frio como se quer o abraço do mais que
amigo, do amante, que te traz o sangue a correr rápido nas mal desenhadas
veias.
Nas
horas mortas tento ser hispano hablante, buscar eco distante, em vidas que já
vivi, numa lingua que me dilacera por dentro, que me fala e me fere, falando de
amor e de sombras, de idas e vindas, de juras infindas... como é bom amar em
espanhol, uma lingua em tom bemol...
Nas
horas mortas me visto de longo e arrasto a cauda do vestido, te digo um segredo
ao pé do ouvido, recolho o cabelo que me cai no olho, e te olho de soslaio, e
logo me recolho, como se não soubesse do que sou capaz. A sedução da inocência,
que concupisciência nos traz...
Nas
horas mortas me bole por dentro a vontade de dançar, reunir toda gente, acender
as luzes do apartamento e fazer diferente; me vem a vontade de cirandar, grande
roda, mãos se enlaçando, corpos suados de tanto girar, e girar, e sorrisos na
boca, sempre a rosa louca, a se manifestar.
Nas
horas mortas me sinto viva; dialogo com minha alma de maneira honesta, singela,
humilde mesmo... admito o que sinto, admito o que vejo, e me recolho em
mim, desfiladeiro sem fim, que me leva a um vale, um Xangri-lá perdido, aonde
amores esquecidos ainda vem me habitar...
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